As informações são do Tribunal de Contas do Estado (TCES). Embora a LRF tenha sido promulgada em 4 de maio de 2000, o levantamento considerou as prestações de contas apresentadas entre 2004 e 2017, já que os dados anteriores não foram sistematizados pelo órgão.
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Desde 2012, a Prefeitura de Água Doce do Norte vem alcançando percentuais maiores de gastos com pessoal em anos consecutivos, alcançando o patamar de 72,73% no ano passado.
Mas ela não é a única. Na sequência, Barra de São Francisco e Muniz Freire excederam o limite por seis vezes nos últimos 14 anos, enquanto Alegre e Bom Jesus do Norte apresentaram despesas irregulares por cinco vezes. Já Fundão, São Mateus, Guaçuí e Pinheiros extrapolaram a faixa quatro vezes.
Entre as 20 prefeituras que por mais de uma vez estiveram com a corda no pescoço, apenas duas são da Grande Vitória: Viana, que fechou as contas no vermelho em 2015 e 2016, e Guarapari, que em 2016 destinou 56,9% de sua receita líquida para pagamento de pessoal e em 2017, 57,04%. Justamente nos anos de 2015 e 2016 registrou-se o maior número de problemas: 19 municípios ficaram acima da linha permitida pela LRF somente em 2016.
Ultrapassar os limites de despesas com servidores impostos pela LRF pode fazer com que os gestores tenham suas contas rejeitadas pelo TCES. Além disso os municípios ficam impedidos de contar com empréstimos e convênios, enquanto o prefeito está sujeito ao pagamento de multa equivalente a 30% de seu salário.
Por meio dos dados disponibilizados pelo TCES, é possível ver que as prefeituras que lideram o ranking de irregularidades tiveram suas contas rejeitadas ou aprovadas com ressalvas ao longo dos anos. No entanto, como o TCES não possui um relatório dos dados, seria preciso consultar cada processo para afirmar que motivos levaram às rejeições.
O secretário-geral de controle externo do TCES, Rodrigo Lubiana, afirma que a grande dificuldade das prefeituras é fruto da crise econômica, que reduz a arrecadação. Ainda assim, ele lembra que quando se considera o consolidado de cada cidade (que engloba Executivo e Legislativo) o percentual de descumprimento é baixo. “Nos governos estadual e municipais, houve uma gestão responsável. O único descumprimento foi o do Tribunal de Justiça, que ultrapassou os limites de gastos com pessoal em 2015 e 2017, mas se recuperou”, pontua.
Prefeituras culpam queda na arrecadação por desequilíbrio
As prefeituras de Muniz Freire e de Alegre afirmam que a queda de arrecadação em função da crise financeira vem provocando o desequilíbrio de suas contas, tendo como consequência gastos com pessoal acima do limite permitido pela LRF.
De acordo com a controladoria da Prefeitura de Muniz Freire, somente em 2017 o déficit na receita chegou a quase R$ 3,5 milhões e, mesmo arrecadando menos, o município é obrigado a cumprir a determinação constitucional de aumentar anualmente os salários dos servidores públicos. Apesar disso, a prefeitura garante que desde 2012 vem adotando medidas para se ajustar, reduzindo despesas com cargos comissionados e funções gratificadas, bem como exonerando funcionários não estáveis.
Já a prefeitura de Alegre manifestou-se apenas sobre o ano de 2010, época em que o município foi gerido pelo atual prefeito, José Guilherme (PSDB). Em nota, ela informou que naquele período a cidade sofreu com a perda de arrecadação e também com problemas emergenciais, como enchentes. Em 2017 foram editados decretos para contenção de gastos. Cargos foram extintos e a prefeitura estuda terceirizar algumas atividades.
Por meio de nota, a Prefeitura de Barra de São Francisco informou que "é de conhecimento do atual governo o índice elevado de gasto com pessoal, tanto é que, desde que assumiu a administração do Executivo, em 1º de janeiro de 2016, o prefeito Alencar Marim (PT) tem trabalhado com número reduzido de colaboradores e, com isso, se empenhado para adequar o município ao limite legal de gasto com servidores".
Os municípios Água Doce do Norte e Bom Jesus do Norte não enviaram respostas.
Lei foi um marco, mas falta fiscalização mais eficiente
Ao fazer um balanço dos últimos 18 anos, especialistas não têm dúvidas de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) foi um marco fundamental para o estabelecimento de um controle mais efetivo sobre as contas públicas, bem como de uma maior conscientização dos gestores. No entanto, o caminho a ser percorrido em busca de mais equilíbrio e de menos irregularidades ainda é longo. A partir de agora, o desafio é tornar a fiscalização tão eficiente quanto a letra da lei.
“Se os tribunais de contas, que são os principais guardiões da lei, tivessem agido com mais firmeza e tempestividade desde quando ela foi criada, talvez o país não estivesse nessa situação hoje, com Estados como Rio de Janeiro e Minas Gerais sem dinheiro até para pagar a folha de servidores”, ressalta o secretário-geral de controle externo do TCES, Rodrigo Lubiana.
Para ele, é preciso mais agilidade na análise das contas que, de forma geral, são apuradas após o encerramento do ano. Para ele, caso o acompanhamento fosse feito de forma concomitante, a cada quadrimestre, sinais de alerta poderiam ser emitidos antes de os Poderes atingirem seus limites. “No Espírito Santo nós somos uma exceção. Este ano, iniciamos o uso de um sistema de alerta, que envia mensagens aos gestores assim que a prestação de contas é feita”, pondera.
Já com relação à transparência, o secretário destaca que as informações devem ser levadas à sociedade de forma mais clara.
Patrimonialismo
Mesmo após a implantação de instrumentos legais, o especialista em administração pública e professor da Ufes Hugo Júnior Brandião afirma que ainda persiste no Brasil uma cultura “patrimonialista” por parte dos gestores, que continuam a se apropriar dos bens públicos. Por isso, é preciso que atos de corrupção e de improbidade sejam punidos com mais rigor.
“O que está faltando no país é um choque de moralidade e o fortalecimento de mecanismos sociais de accountability (termo inglês que remete à obrigação dos gestores com a ética e a transparência). O gestor não pode achar que vai sair impune, pois o dinheiro do povo é sagrado”.
Auditor do Tribunal de Contas de Pernambuco e professor da Fucape, João Eudes Bezerra Filho lembra que antes da criação da LRF, o uso da máquina pública para interesses particulares e políticos era explícito. “Já vi muitas situações de prefeitos que deixavam para seus sucessores até três folhas de pagamento em atraso e o caixa vazio”, afirma.
Para além do controle das despesas com gasto de pessoal, Eudes diz que a LRF trouxe outros princípios inovadores. Um deles é a fiscalização dos restos a pagar, que visa impedir que os gestores saiam do mandato com despesas abertas e sem dinheiro em caixa. Do mesmo modo, o controle das fontes de recurso permite investigar se o dinheiro está sendo aplicado onde deveria.
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