Com a sentença da juíza, o processo será encaminhado aos Juizados Especiais Criminais de Vitória, competente para julgar crimes de menor potencial ofensivo.
Segundo os autos, para o MPES, o acusado e um amigo roubaram R$ 329,00 do taxista, mediante grave ameaça, tentando se evadir do local.
A defesa, no entanto, pediu a desclassificação do delito de roubo para o de exercício arbitrário das próprias razões.
Para a magistrada, está comprovado nos autos, por meio das declarações prestadas, que a vítima teria combinado um programa sexual, com o amigo do acusado, e não queria pagar o serviço prestado por este. Ao prever que o amigo ficaria sem o seu pagamento, o acusado, então, teria apontado o canivete para a vítima e exigido que esta entregasse todo o dinheiro que tinha em mãos.
Segundo a juíza, no íntimo, o acusado se sentiu lesado e solidário com o seu amigo, também travesti, que fez um programa sexual e que estava prestes a ficar sem o seu pagamento.
“Portanto, verifica-se que o móvel do acusado não foi subtrair coisa alheia, mediante ameaça, mas sim viabilizar o ressarcimento ao seu amigo pelos serviços sexuais prestados à vítima.”, ressalta a magistrada.
Ainda segundo a sentença, não se pode ignorar que os profissionais do sexo estão inseridos em um contexto de vulnerabilidade social tão grande que é comum agirem para se defender como também defenderem uns aos outros. “Fato é que a sociedade os inseriu em um espaço de marginalização e exclusão, de forma que merecem uma atenção humanizada”, destaca.
Por essas razões, a juíza entendeu, ao contrário do que sustentou o Ministério Público Estadual, que o crime cometido pelo acusado não foi roubo majorado pelo emprego de arma e concurso de pessoas (art. 157, § 2º, I e II do CP), e sim o de exercício arbitrário das próprias razões, previsto no art. 345 do Código Penal.
“Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.”
A juíza citou, ainda, em sua sentença, voto do Ministro Rogério Schietti Cruz, no julgamento do Habeas Corpus nº 211.888/TO, que destaca que não se pode negar proteção jurídica àqueles que oferecem serviços de natureza sexual em troca de remuneração, desde que essa troca não envolva incapazes, menores e pessoas de algum modo vulneráveis, desde que o ato sexual seja de livre vontade dos participantes e não implique uso de violência
O Ministro destaca, ainda, em seu voto: “(…) Em verdade, de acordo com o Código Brasileiro de Ocupações de 2002, regulamentado pela Portaria do Ministério do Trabalho n. 397, de 9 de outubro de 2002, os (ou as) profissionais do sexo são expressamente mencionados no item 5198 como uma categoria de profissionais, o que, conquanto ainda dependa de regulamentação quanto a direitos que eventualmente essas pessoas possam exercer, evidencia o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e que, portanto, é passível de proteção jurídica. (…)
Segundo a juíza, “nota-se – sem nenhuma pretensão de se fazer qualquer tipo de apologia ao comércio sexual do corpo – que a cobrança, na Justiça, em decorrência de descumprimento da contraprestação nos casos de serviços sexuais prestados por profissionais do sexo, é perfeitamente cabível.”
Quanto ao fato de que o valor entregue pelo taxista (R$ 329) era superior ao valor cobrado pelo serviço (R$40), a juíza entendeu que, na situação narrada nos autos, não seria razoável exigir do acusado que ele soubesse o valor exato que havia na mão da vítima. Além disso, segundo a magistrada, a quantia de R$329 foi devidamente restituída à vítima.
“Ante o exposto, julgo parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal para DESCLASSIFICAR a conduta imputada ao acusado para aquela tipificada no artigo 345 do Código Penal, concluiu a magistrada”, determinado que os autos sejam remetidos, por distribuição, a um dos Juizados Especiais Criminais de Vitória, acompanhado de eventuais objetos apreendidos.
(Com informações do TJES – Processo nº: 0038491-83.2015.8.08.0024)
Aqui Noticias/Foto: TV Vitória