Desde 1960, o comerciante Menelick Bodevan Bastos, de 80 anos, abre pontualmente sua mercearia, localizada no centro de Dores do Rio Preto, às 7 horas. Ele exibe também, orgulhoso, o marco de nunca ter sido assaltado durante todo esse tempo.
A 20 quilômetros dele, na cidade vizinha de Divino de São Lourenço, mora a não menos orgulhosa aposentada Vitalina da Conceição, de 99 anos, que dorme tranquila, com a porta de casa aberta. “Eu amo viver aqui, numa cidade onde todo mundo se respeita e se conhece”, frisa Vitalina.
E esse orgulho todo não é para menos. Os dois moram em municípios que não registraram nenhum homicídio sequer em 2016. Onze foram as cidades que conseguiram manter esse índice no ano passado. Porém, apenas sete delas mantiveram estes números em 2017.
Os dados são da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Sesp). Juntas, as populações das duas cidades, que ficam na Região Sul do Estado, não chegam a 12 mil habitantes, de acordo com dados estimados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2016.
Sem mortes
Dos municípios que tiveram o índice zero em 2016 e mantiveram até junho deste ano, estão Laranja da Terra, Itarana, Alfredo Chaves, Muqui, Ibitirama, Marechal Floriano e Divino de São Lourenço.
Outras quatro cidades não registraram homicídios no ano passado. Porém, tiveram cada uma delas uma morte violenta, no período de greve da Polícia Militar, em fevereiro de 2017. São elas: Dores do Rio Preto, Ponto Belo, Mucurici e São Domingos do Norte.
Clima amistoso e cordial
A reportagem percorreu dois destes municípios, na região do Caparaó, para entender toda essa “calmaria”, ver como é a relação das comunidades com a polícia e como fazem para se manter longe da violência.
Divino de São Lourenço e Dores do Rio Preto têm em comum o número maior da população idosa. Nas duas cidades, é muito comum ver pessoas com mais de 60 anos circulando nas ruas e gerenciando comércios.
“Os jovens aqui em Divino não têm muitas oportunidades. Eu moro aqui e faço faculdade em Guaçuí. Gasto quatro horas de viagem todos os dias. Se não conseguir um emprego aqui, vou ter que me mudar”, revela o estudante de Contabilidade, Paulo Sérgio, de 19 anos.
A reportagem também não encontrou, pelo menos no perímetro urbano dos municípios, campo de futebol e quadra poliesportiva. As que existem estão dentro das escolas.
Por serem cidades pequenas, tanto Dores quanto Divino apresentam um clima amistoso entre os moradores. Todo mundo se conhece e se esbarra pela cidade.
“Conheço praticamente todos os moradores daqui, as famílias são todas conhecidas e isso faz a diferença. Todo mundo se respeita”, acredita o comerciante de Divino de São Lourenço, Manoel Reginaldo, de 60 anos.
Apesar da aparência pacata, Dores do Rio Preto nem sempre é uma cidade puramente de paz. Na cidade, a maioria das ocorrências atendidas pela Polícia Militar é violência doméstica e pequenos furtos.
“A maioria das brigas e agressões ocorridas contra a mulher são provocadas pela ingestão de bebida. Isso é um pouco cultural aqui no interior. Mas, como temos uma relação bem próxima da comunidade, fazemos o aconselhamento”, destaca o sargento Barreto, morador da cidade há 17 anos.
Preocupação em outras cidades
Se nestes municípios o princípio é de tranquilidade, em outros municípios com uma população de até 12 mil habitantes, a realidade é outra. Os cálculos foram feitos com base nos registros ocorridos até junho de 2016.
Seguindo pela região Sul do Estado, na cidade de Presidente Kennedy, a taxa de homicídios por habitantes assusta: 35,10 homicídios para cada 100 mil habitantes, segundo dados estimados do IBGE para 2016.
Foram quatro assassinatos em 2016. Neste ano foram cinco, sendo dois em maio. Os outros aconteceram em janeiro, fevereiro e março, um em cada mês.
E não precisa ir muito longe de Divino de São Lourenço e de Dores do Rio Preto para fazer esse comparativo. Em Iúna, município próximo das cidades visitadas, onde a população é maior, de 29.743 mil habitantes, a taxa de homicídios é de 13,44. Lá, em 2016, o registro foi de três crimes. Já em 2017, foi de quatro.
Estrutura da PM em Dores é ruim
Em Dores do Rio Preto, a PM faz o trabalho como pode, apesar da precariedade do único destacamento existente na cidade. Enquanto a reportagem tentava obter informações, pedaços do reboco do teto da unidade caíram. Lá, são 10 policiais para cobrir toda a região. O Proerd, programa contra as drogas, também foi cancelado por falta de pessoal. A assessoria da Polícia Militar foi procurada durante a semana, porém, respondeu que precisava de um tempo maior para levantar as informações.
População
Alfredo Chaves: 15.029 habitantes
Divino de São Lourenço: 4.630 habitantes
Dores do Rio Preto*: 6.920 habitantes
Ibitirama: 9.379 habitantes
Itarana: 11.259 habitantes
Laranja da Terra: 11.447 habitantes
Marechal Floriano: 16.339 habitantes
Mucurici*: 5.873 habitantes
Muqui: 15.717 habitantes
Ponto Belo*: 7.826 habitantes
São Domingos do Norte*: 8.764 habitantes
*Cidades que registraram um homicídio cada, em 2017
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