Foto: Cleber Junior
A Covid-19 continua impondo
luto diariamente — ontem, o estado atingiu a marca de 80.946 infectados e 7.728
mortos. Mas números das últimas semanas apontam sinais de uma tendência de
desaceleração do contágio. Entre domingo retrasado e anteontem, a Secretaria de
Saúde constatou uma redução de 29,2% nas notificações de óbitos, na comparação
com o período de 31 de maio até o último dia 7. Foram 965 vítimas, 398 a menos.
Já a queda de casos de infecção foi de 17,8%, com 11.816 confirmações, 2.552
abaixo do total registrado no início do mês. Especialistas, no entanto,
ressaltam que ainda não é hora de baixar a guarda, principalmente porque as
últimas flexibilizações de medidas restritivas podem piorar o quadro.
Além
de aglomerações que podem pôr avanços em risco, dados oficiais evidenciam: nem
todos os municípios fluminenses vivem o mesmo alívio. O balanço positivo é
puxado pela capital. No município do Rio, os óbitos divulgados na última semana
caíram 34% e, os casos, 18,7% (na comparação com a anterior). Foi em meio a
esse cenário que o prefeito Marcelo Crivella decidiu permitir, na quinta-feira
passada, véspera do Dia dos Namorados, a reabertura dos shoppings. Medida que,
somada a um decreto de flexibilização do governador Wilson Witzel, dividiu
opiniões.
— Qualquer decisão de relaxamento deveria ser tomada diante de descensos
duradouros e sustentáveis das curvas de casos, mortes e ocupação de leitos —
afirma o sanitarista Christovam Barcellos, coordenador do Observatório do
Monitora Covid-19, da Fiocruz, que recomenda cautela nos próximos dias. — O
município do Rio pode começar a “exportar” o vírus e “importar” doentes graves
de lugares com pouca infraestrutura de saúde.
Mercadão de Madureira, Rio Sul e Downtown
reabrem hoje
Hoje,
o Mercadão de Madureira e os shoppings Rio Sul (em Botafogo) e Downtown (na
Barra) reabrem suas portas. Enquanto a cidade ensaia um retorno à normalidade,
a Secretaria estadual de Saúde frisa que monitora a taxa de contágio da doença
em cada região para que não ocorra uma segunda onda do coronavírus. A situação
preocupa, já que, em 32 dos 92 municípios fluminenses, o período entre os dois
últimos domingos teve mais casos confirmados da doença. A situação de Duque de
Caxias e Campos dos Goytacazes chama a atenção, porque isso ocorreu durante a
retomada das atividades.
—
Enquanto a curva começa a atenuar na cidade do Rio, a Covid-19 avança em
municípios que não haviam registrado casos até há pouco tempo. Temos várias
epidemias no estado, começando em momentos diferentes. O interior não tem
leitos de UTI para todo mundo. Pacientes vão ser transferidos. Precisamos de um
plano muito integrado — avalia a médica Gulnar Azevedo, professora de
epidemiologia da Uerj e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(Abrasco).
Campos mantém isolamento, sem
flexibilização
Em Duque de Caxias, onde a
Justiça derrubou um decreto da prefeitura de reabertura do comércio, foram
registrados 367 casos na última semana, contra 324 na anterior. Em Campos, que
chegou a implantar o chamado lockdown e, no último dia 2, iniciou seu plano
de retomada, foram feitas 259 notificações de contágio na semana passada,
contra 213 ao longo dos sete primeiros dias do mês. Ontem, o índice de ocupação
dos leitos de UTI dedicados à Covid-19 no município chegou a 90%.
Pela
terceira semana consecutiva, o município decidiu manter, então, o atual estágio
de isolamento social, sem novas flexibilizações. Ontem, a ocupação nos leitos
de UTI dedicados à Covid-19 na cidade ultrapassava os 90%. Segundo a
prefeitura, essa taxa é uma grande preocupação, agravada por não haver previsão
de abertura do Hospital de Campanha prometido pelo estado no município.
"Importante
esclarecer que o estágio de evolução da pandemia nas capitais é diferente do
interior. O registro da Covid teve início e avançou primeiro nas capitais. Em
média, os municípios do interior, especificamente Campos, estão cerca de 15
dias antes do estágio em que se encontra a cidade do Rio atualmente (...). A
prefeitura vem cobrando do Estado diariamente prazos e informações quanto à
instalação e abertura do Hospital (de Campanha) que é fundamental para a
região, visto que Campos é um polo que recebe pacientes de outros
municípios", afirma o município em nota.
A apreensão é compartilhada por
outras prefeituras que também vêem as curvas da doença ainda ascendentes, como
Rio das Ostras, na Região do Lagos. Já na Serra, Trajano de Moraes, última
cidade do Rio atingida pelo coronavírus, só na semana passada foram 23 novos
casos, totalizando 30 pessoas doentes até o domingo. Ontem, o coordenador de
Vigilância em Saúde do município, Saulo Pacheco, passou a tarde na zona rural,
em áreas onde não tem sequer internet e sinal de celular, avaliando pacientes.
Baixada: mortes em alta
As
mortes também não caem em 19 municípios, cinco deles na Baixada Fluminense, na
comparação entre as duas últimas semanas, segundo os boletins do estado.
Mesquita, por exemplo, registrou 24 novos óbitos entre 7 de junho e anteontem,
contra oito de 31 de maio a 7 de junho. De acordo com o monitoramento da
prefeitura, no entanto, a curva de casos na cidade está em queda. Mas diz que,
em seus dois polos de atendimento exclusivo à Covid-19, nessa primeira metade
de junho 49% das pessoas que procuravam esses espaços pela primeira vez vinham
de fora do município.
Algumas prefeituras argumentam ainda que a manutenção dos números em alta pode refletir a demora entre a morte e sua notificação oficial. No Rio, a mediana desse intervalo, na semana passada, era de 6,1 dias. Mas podia chegar a até um mês e meio, segundo constatou O GLOBO ao comparar boletins publicados em junho. Os óbitos por data de ocorrência, que segundo a SES apresenta uma tendência de queda desde 18 de maio, foi um dos argumentos destacados pelo estado quando o governador Witzel anunciou a flexibilização no Rio.
- Os dados atrasados dificultam o acompanhamento da pandemia. Só depois, quando eles estiverem de fato consolidados, vamos saber se podíamos até ter reaberto antes. Além de a doença ter tido um pico em maio, sem que ninguém tenha falado que estávamos no auge, com uma mortalidade maior que a da Itália, a gente pode atrasar os passos da retomada por falta de informação em tempo real - afirma o sanitarista Daniel Soranz, ex-secretário municipal de Saúde do Rio.
Jornal Extra