A votação de contas na Câmara de Campos colocou grupos políticos rivais de longa data em alinhamento recentemente. As articulações a partir da pacificação entre os grupos dos Garotinho e Bacellar, liderados pelo prefeito Wladimir (sem partido) e o presidente da Alerj, Rodrigo (PL), garantiram os votos necessários para a aprovação das contas da ex-prefeita Rosinha (União) e do também ex-chefe do Executivo campista Rafael Diniz (Cid), apesar de ambas terem indicações pela rejeição do Tribunal de Contas do Estado.
Para o cientista político e sociólogo George Gomes Coutinho, a aprovação das contas pode ser encarada como a restauração da paz momentânea entre os grupos. “Dentro do âmbito do sistema político, quando se reprova uma conta não é a tecnicidade que conta. O que está pesando é a declaração de guerra política que foi feita com a reprovação em âmbito local”, comentou.
Com o parecer do TCE pela reprovação, para contrariá-lo, eram necessários 2/3 do Legislativo, ou 17 vereadores. No caso de Rosinha, as contas de 2016, último ano de sua gestão, foram levadas ao plenário no dia 15 de março e ficaram com a votação no limite à aprovação. Diferentemente de Rafael, que, ao ter as contas de 2020 apreciadas no último dia 5, obteve 19 votos. Como adiantou o Ponto Final dessa quarta, mesmo que o grupo dos Bacellar, do qual o ex-prefeito é próximo, não garantisse os 12 votos de seus aliados, o prefeito Wladimir, que já tinha acordado cinco da sua base, articularia por mais apoio aos votos necessários.
Após a aprovação, o ex-prefeito agradeceu aos 19 vereadores, ressaltando os dois grupos políticos. “Destacando, com toda gratidão, a importante participação do presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar, com seu senso de justiça e firmeza. E, também, agradeço aos vereadores da base do governo e ao prefeito Wladimir que seguiram sua orientação, entendendo que divergências políticas não podem motivar vinganças e retaliações, especialmente quando a aprovação das contas está amparada totalmente na legalidade”, concluiu o ex-prefeito.
Foi sendo um dos principais opositores ao governo Rosinha na Câmara, principalmente no período do mandato dela reprovado pelo TCE, que Rafael chegou como uma onda vencendo as eleições em cima do grupo dos Garotinho no mesmo ano de 2016, ainda no primeiro turno. A revanche viria quatro anos depois, com Diniz ficando fora até do segundo turno, que deu a vitória a Wladimir.
Neto do ex-prefeito Zezé Barbosa e filho do ex-vereador Sérgio Diniz, Rafael tem no histórico familiar a disputa política com os Garotinho. Assim, como mais tarde, passariam a ter os Bacellar também com o grupo da família da Lapa. Divergências que começaram com os patriarcas Anthony Garotinho e o ex-presidente da Câmara Marcos Bacellar, mas que ganharam novos conflitos em 2021 no Legislativo, quando a Mesa Diretora esteve em jogo. O grupo do deputado Rodrigo conseguiu dar a vitória ao irmão dele Marquinho Bacellar (SD), com a maioria dos vereadores, em cima de Fábio Ribeiro (PSD), em uma eleição que acabou anulada. Um dilema que se estendeu por meses, com o clima tenso, ataques, acusações, sessões suspensas e ameaça de cassação de vereadores.
Um cenário que só mudou após entrar em campo o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), que intermediou a pacificação entre Rodrigo e Wladimir. Acordo que passou pela nova eleição de Marquinho e uma melhor relação entre a Câmara e a Prefeitura, já que a oposição era maioria até o início deste ano. No entanto, a ida de Abdu Neme (Avante) e Nildo Cardoso (União) à base colocou a situação à frente, mesmo que com maioria simples de 13 dos 25 vereadores.
Logos após a essa movimentação, a votação das contas de Rosinha foi anunciada por Marquinho, e mais uma vez o governador e Rodrigo entraram no jogo para garantir o realinhamento da pacificação e pelo menos quatro votos do grupo oposição/”independente”, Helinho Nahim (Agir), Bruno Vianna (PSD), Marquinho do Transporte (PDT) e Luciano Rio Lu (PDT).
Cientista político vê sobrevivência política
Ao avaliar os últimos movimentos na Câmara de Campos, o cientista político e sociólogo George Gomes Coutinho, comentou que a discussão sobre aprovação ou reprovação de contas, é muito mais arma política entre os grupos em disputa, do que dentro da perspectiva do sistema político, do que propriamente uma leitura extremamente técnica da discussão a partir da reprovação do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
— Moralmente discutível a frase “político não reprova conta de político”? Ela é bastante discutível em termos morais. Mas, em termos práticos, o Cláudio Castro tem razão. Você assina uma declaração de guerra quando você faz isso e depois você vai ter que assumir as consequências, e as consequências foram aquelas que nós vimos nos últimos anos. Um jogo duro institucional na Câmara, muito pouco produtivo em termos locais. A reprovação em âmbito local, ou seja, na arena em que os atores têm acesso, ela é uma declaração de guerra, mesmo que a despeito da qualidade técnica — analisou George.
Ainda na avaliação do cientista, se mantida a reprovação das contas de Rosinha, as de Rafael Diniz viriam no efeito de colchete, como um contragolpe na disputa política, que poderiam resultar em novos casos de tensão na Câmara, por exemplo.
— A consequência política dessa decisão de tomar uma ação dura institucionalmente foi a escalada de tensão dentro do Legislativo local. As regras de civilidade foram suspensas e aí entrou o lance do vale tudo, que chegou com a coisa escalando ao ponto de gente armada dentro da Câmara e aquela confusão toda no ano passado. O que está havendo não é uma disputa programática ideológica de grupos liberais, contra social democratas por exemplo. O que há é a disputa de poder pura e simples. E toda discussão sobre os instrumentos dessa luta, se eles serão instrumentos leais ou desleais, sob a perspectiva do sistema político, aí é que são elas. Como se viu, houve a demonstração de ausência de limite — destacou Coutinho.
No caso das articulações dos líderes políticos para a reversão da reprovação dada pelo TCE, é vista pelo cientista como uma forma de manterem vivos os seus grupos. “A discussão em última instância é sobre sobrevivência de grupos políticos, que, envolvidos na disputa, se viram ameaçados, com a questão, sobre aprovação ou reprovação de contas, o que houve foram respostas de grupos que se sentiram ameaçados. Mas a discussão é essa: a sobrevivência de grupos políticos”, disse.
Para o sociólogo, o clima de pacificação colocado à aprovação das contas tem prazo de validade. “Agora, o que está acontecendo é a restauração da paz, que quase sempre vai ser momentânea, porque os grupos que estão em disputa são muito truculentos, não têm nenhum cavalheiro zen nessa discussão. Mas o que está sendo feita é a restauração da paz, de uma paz negociada, política, entre os grupos em disputa. A questão é como eu falei, como são grupos muito truculentos, a dúvida é, até quando? Falta um pouco de sutileza nas disputas e nas contendas locais”, declarou.
Além de terem sido reprovadas nos últimos anos das gestões do ex-prefeitos e sob alegação deles que a prestação de informações ao TCE não foi feita corretamente pelos seus sucessores, as contas de ambos foram avaliadas por um grupo de conselheiros mais técnico e menos político. Entre 2017 e 2022 conselheiros indicados politicamente foram afastados por suspeita de fraude e corrupção no TCE e alguns chegaram a ser presos temporariamente no contexto da Operação Quinto do Ouro, um dos desdobramentos da Operação Lava-Jato no Rio.
George também jogou luz à situação dos Tribunais de Contas dos Estados, em geral no Brasil todo. “Quase sempre a indicação dos conselheiros, elas obedecem critérios que são políticos estritamente. Mais ou menos 30% dos indicados do país inteiro são parentes de governadores. E no caso do Governo do Rio não foi diferente. Até porque Garotinho e Rosinha nomearam muita gente, inclusive com credenciais técnicas baixíssimas para assumirem como conselheiros de tribunais de contas do estado”, avaliou.
Após votação, clima voltou a esquentar
Tanto na votação sobre Rafael da última quarta-feira (5), quanto na de Rosinha no mês passado, valeu o argumento de que “político não reprova conta de político”, usado pelo governador Cláudio Castro e também pelo presidente da Alerj, que deram o aval à aprovação das contas.
Presidente da Comissão de Finanças da Câmara, Helinho, deu parecer favorável às contas de Rafael, de quem foi superintendente. Também os membro Fred Machado (Cid), que foi líder do governo Diniz, e depois presidente da Câmara com apoio do ex-prefeito, e Bruno Vianna.
— Não houve nada de corrupção. Então, essa Comissão vota favorável e gostaríamos muito de contar com todos os colegas para que votassem a favor. Nada mais coerente, a gente estar fazendo jus, já que as irregularidades são muito parecidas com a da ex-prefeita, que, com todo mérito, também teve as suas contas aprovadas — disse Helinho.
Após a aprovação, nas justificativas de votos, o clima voltou a esquentar. Na tribuna, Marquinho, ao falar da diferença em ter aprovado as contas de Rafael e ter sido contrário as de Rosinha, relembrou a manobra na Câmara, em 2021, anulando a primeira votação de 2018 da Legislatura passada, que também foi pela reprovação, seguindo parecer do TCE. Já Juninho Virgílio (União), defendeu a ex-prefeita dizendo que ela não teve o direito à ampla defesa quando teve suas contas de 2016 avaliadas na legislatura passada. Entre as defesas, não faltaram ataques.
Folha 1
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