Levantamento
exclusivo mostra que 35 municípios desrespeitam lei do piso salarial; mesmo
diante do cenário, educadores trabalham com amor
Eles
dedicam a vida à Educação, mas ainda estão longe de receber remuneração
adequada. De norte a sul do Estado, a desvalorização salarial é uma reclamação
comum entre professores. “A gente faz por amor, né? Porque, se for olhar salário, a gente
desiste”, comenta Querenice Dornelo, 29 anos, professora em Alto Rio Novo.
O município onde Querenice trabalha paga o menor piso a um
professor da rede municipal no Espírito Santo: R$ 906,98. O valor é bem abaixo
do que a lei determina e faz de Alto Rio Novo um dos 35 municípios que
desrespeitam a lei do piso salarial, de acordo com levantamento exclusivo de A
Gazeta em especial ao Dia do Professor, celebrado na próxima terça-feira (15).
Foram três meses de trabalho para traçar o cenário da remuneração
nas redes municipais de ensino. Todas as 78 prefeituras foram procuradas e
apenas Marataízes não informou os dados. O levantamento mostrou que 35
municípios não respeitam o piso, 23 seguem rigorosamente a lei e outros 19
pagam acima do piso nacional.
Mas
mostrar a realidade dos professores exigia ir além dos dados, e, por isso, a
reportagem percorreu alguns municípios. Por trás dos números, encontramos
profissionais com anos de carreira e também aqueles que acabaram de começar.
Muitos já cansados, sem perspectivas. Outros ainda motivados, mesmo com a baixa
remuneração.
Fomos
também surpreendidos por histórias de superação. Professores que vencem
limitações físicas para chegar até a sala de aula. Como Anézio Roque, professor
em Águia Branca. Pedagogo, com duas pós-graduações, ele recebe R$ 2.200 mesmo
após 25 anos de carreira. Deficiente físico, Anézio se apoia nas muletas e no
amor à profissão para dirigir 40 km todos os dias de um município a outro e dar
aulas.
Anézio
Roque, 60 anos
Professor
em Águia Branca
"O problema é que quando a gente pisa
na sala de aula, é difícil sair. Se fosse olhar o salário, nem ia trabalhar."
LEI
DO PISO SALARIAL
Pela
lei, nenhum professor que trabalha 25 horas semanais deveria ganhar menos do
que R$ 1.598,59 no país. Esse valor corresponde ao piso salarial - valor mínimo
pago a um profissional -, reajustado em 2019. Porém, não é isto que acontece em
quase metade dos municípios do Estado, de acordo com apuração feita pela
reportagem.
O
piso mais baixo foi encontrado em Alto Rio Novo, no Noroeste. Lá, a tabela
salarial não é reajustada desde 2012 e o salário inicial de um professor de
nível médio é de R$ 906,98, menor até mesmo que um salário mínimo (R$ 998).
Enquanto em Itapemirim, nenhum profissional do magistério ganha menos do que R$
2.360,03, maior piso da rede municipal do Estado.
Os
salários baixos e inadequados acabam empurrando os professores para jornadas
duplas de trabalho. A doutora em Educação e professora da Ufes, Cleonara
Schwartz diz que o acúmulo de cargos é recorrente na profissão, principalmente
em municípios que pagam salários muito baixos.
Cleonara
Schwartz
Doutora
em Educação
"Um grande número de professores
passa a ter jornadas extensas de trabalho para conseguir ganhar um pouco mais e
sustentar as famílias. Isso gera adoecimento da categoria, porque o professor
não consegue se dedicar ao trabalho estando cansado físico e mentalmente"
Outro
problema é a dificuldade em atrair novos profissionais, como ressalta o
mestrando em Educação Profissional pela Ufes, Gildo Antunes. “Existe hoje uma falta de interesse grande
na licenciatura por causa dos baixos salários. É difícil atrair e manter
profissionais para ganhar tão pouco", comenta.
A
desigualdade nos municípios chama a atenção do gerente de políticas
Educacionais do Todos pela Educação, Gabriel Corrêa. Para ele, é importante
entender as diferentes realidades no Estado, mas acima de tudo buscar formas de
valorizar o profissional.
Gabriel
Corrêa
Gerente
de políticas Educacionais do Todos pela Educação
"Os municípios que arrecadam menos
têm mais dificuldade financeira de pagar o piso, mas isso não pode ser
justificativa para descumprir a lei. É preciso buscar condições para que seja
pago, inclusive por meio de apoio do Fundeb, do governo federal"
O
QUE DIZEM AS PREFEITURAS
A
Gazeta procurou todos os 35 municípios com pisos abaixo do que é determinado
por lei. Apenas 14 deles responderam à reportagem. Jaguaré disse que o valor do
Fundeb não é suficiente para custear todas as demandas da Educação e que por
isso não consegue adequar o piso. Água Doce do Norte informou que desde que se
adequou a lei de um terço do tempo do professor para planejamento, não consegue
mais cumprir o piso. Fundão afirmou que em junho reajustou em 4,17% o salário
dos professores. Em Presidente Kennedy, corre um processo para reajustar o piso
ainda este ano.
Já
Iconha alegou que o município não possui professores de nível médio, único que
está inferior de acordo com a lei. Irupi garantiu que tem se reunido com o
sindicato dos professores para adequar o piso. Santa Leopoldina disse que com a
baixa arrecadação, não tem sido possível adequar ao valor do piso nacional. Já
a secretaria de Educação de Ecoporanga disse apenas que não estava autorizada a
repassar as informações solicitadas.
João
Neiva afirmou que desde 2017 vem realizando pagamento de dívidas e que, por
isso, não consegue adequar o piso. Nova Venécia disse que possui apenas um
professor de nível médio e que este tem piso de R$ 1.710,98. Já Ponto Belo
respondeu que não possui professores de nível médio atuando no município. Por
fim, a Prefeitura de Mantenópolis informou que a receita da cidade é baixa e,
por causa da Lei de Responsabilidade Fiscal, o município não consegue atualizar
o piso. Os outros municípios não responderam mesmo após vários contatos.