Em todo o ano passado 120 bebês, entre zero e três anos, foram abandonados pelos pais. Em 80% dos casos, mães com alta dependência química. Abandono de incapaz é crime, mas a entrega para doação, não.
O número é alarmante, mas a Justiça garante que já foi maior e que desde o ano de 2010 o quantitativo diminui, mas ainda é preocupante. Nos 78 municípios do Espírito Santo, estão estabelecidos cerca de 90 abrigos responsáveis por se tornarem lares para essas crianças.
A juíza Janete Pantaleão Alves, coordenadora de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo (TJES), explica que o número seria menor se o atendimento às gestantes fosse reavaliado nas unidades de saúde. Ela dá como exemplo as dependentes químicas, que chegam aos postos de atendimento para cuidados, exames e consultas de rotina e são hostilizadas pelos funcionários. Com esse tratamento elas perdem a coragem de entregar a criança, e acabam abandonando.
Ela esclarece que o preconceito que parte do próprio agente de saúde pode fazer com que a mulher se assuste e sequer conclua os exames. "Se nem o pré-natal for concluído, que dirá o parto. Esse é o principal motivo que pode fazer ainda existir abandono", destaca. "Às vezes elas podem pensar que a prática é ilegal, mas a opção é da mulher. Querendo, ela pode fazer todo o acompanhamento pré-natal e depois disponibilizar o recém-nascido para uma das mais de 800 famílias que aguardam na lista de espera", ressalta a juíza.
Pantaleão destaca que, atualmente, o Estado conta com aproximadamente 800 famílias já analisadas e aprovadas que aguardam a chegada de um bebê que atenda às exigências. "Uma criança mais velha ou adolescente não é tão visado, mas um recém-nascido não fica nem um mês sem uma família", garante.
Por isso, a juíza explica a importância da campanha do TJES, que visa divulgar, nos postos de atendimento à gestante, a prática regular que é a entrega da criança à responsabilidade temporária do Estado. "Um material didático já está sendo distribuído nestes locais de forma que tanto os atendentes quanto as mulheres saibam dos direitos que lhes são pertinentes", completa.
"Existe até mulher com doença mental, não só usuárias de drogas. Por isso, é importante que o agente de saúde saiba lidar com a situação para que a gestante entenda como é mais fácil e mais seguro, para ela e para o filho, quando ela o entrega direto para a adoção", destaca Pantaleão.
Muitos abandonos e espera para adoção
Mesmo com tantas crianças abandonadas, ainda pequenas, ainda é longa a fila de espera para quem deseja adotar. De acordo com a coordenadora de Infância e Juventude do TJES, juíza Janete Pantaleão, não se zeram as duas por dois motivos: processos das crianças ainda não concluídos e pais que só querem bebês com determinadas características.
No primeiro caso, segundo explicou a magistrada, as crianças só podem ser entregues quando toda a parte burocrática está resolvida. A juíza esclarece que todo processo será facilitado caso a mãe escolha e informe o desejo de entregar o neném no ato de dar à luz.
Além da campanha do TJES, as prefeituras também têm autonomia para criar ações e projetos que visem amenizar a situação do abandono de recém-nascidos e jovens. Em Vitória, a prefeitura, por meio da Secretaria de Assistência Social (Semas) realiza monitoramento em todo o território da Capital, e, informa que em novembro do ano passado três crianças (com até 11 anos e 11 meses) foram encontradas em situação de rua. Elas receberam atendimento psicossocial e foram encaminhadas para o Conselho Tutelar de origem. Isso porque, a repartição garante que na maior parte desses casos, o jovem não mora em Vitória.
Em Vila Velha, Gorete Fraga, gerente da Proteção Social Especial da prefeitura, conta que a cidade possui dois abrigos, e que, neles, estão abrigadas cerca de treze crianças na faixa de zero a seis meses. "Nem sempre elas são de Vila Velha, mas nos abrigos, recebem todos os cuidados necessários", completa. Ela prepondera que em alguns casos os bebês chegam direto da maternidade, em outros, são vítimas de violação de direitos, ou vêm de uma família cujo desentendimento dos integrantes é frequente.
Já em Serra, a Abordagem Social da prefeitura atua em conjunto ao Conselho Tutelar e Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) da região. Depois de acolhidas, as crianças também recebem acompanhamento e instrução de projetos sociais que visam a criação de um vínculo familiar. Lá, entre zero e doze anos, existem quinze meninos e três meninas abrigadas.
Entregar é fazer o bem?
Se por um lado a entrega de uma criança à adoção é vista negativamente pela sociedade, por outro, as crianças maiores que chegam aos orfanatos podem carregar marcas da rejeição. As consequências são vistas no desenvolvimento físico e psicológico desse publico infantil.
Segundo a doutora em psicologia Gina Strozzi, esse prejuízo se manifesta, geralmente, em forma de déficits cognitivos e dificuldade de socialização. Entretanto, ela frisa, a entrega do bebê para a adoção também é um gesto de amor. "A mãe sabe que não tem condições de cuidar dela mesma, não será capaz de arcar com os cuidados de outra vida. Ela entrega porque ama", acredita. "Para quem adota é melhor, já que o vínculo que será criado é fortíssimo e tão legítimo quanto o biológico", completa.
Já no caso das crianças que são tiradas de suas casas após constatação de que são vítimas de violência, há casos das que preferem isso a terem que ficar longe da família. "Pode existir aquele mundo com a construção do bem que faz aquela criança ter a certeza de que pode não ser mais agredida, negligenciada. A criança sempre vai preferir ficar à espera de um carinho, um colo de mãe, que é fundamental", explica.
A psicóloga aponta para a necessidade de a família que adota, sob quaisquer circunstâncias, receba uma instrução do Estado acerca de como deve agir com a criança, além de saber lidar com as situações que possam colocar em xeque o vínculo criado.
ES HOJE