Cabo Frio, na Região dos Lagos, é conhecida por suas praias. Mas, desde o início do ano, uma fama perigosa tem atraído as atenções para a cidade. A promessa de lucros altos e rápidos mergulhou o balneário numa ciranda financeira, controlada por empresas de investimento que lotearam a região em busca de clientes. Uma das vítimas é Y, um pedreiro humilde de 56 anos, morador do bairro Jardim Esperança, que por medo prefere não se identificar. Casado e pai de dois filhos, ele juntou dinheiro por boa parte da vida. Com as mãos calejadas e o olhar perdido, ele lembra que a família toda investiu ao todo R$ 70 mil nas criptomoedas pela empresa Black Warrior, mas há meses a empresa não paga o valor prometido. A investidora é uma das que estão na mira da polícia. — Eu tinha R$ 35 mil na poupança. Com o rendimento eu queria comprar um carro. A empresa já era conhecida aqui no bairro há mais de seis meses. Todo mundo investia lá e recebia normalmente — relata.
Segundo ele, recebeu os dois primeiros meses, mas depois mais nada.
O EXTRA não conseguiu contato com representantes da Black Warrior. A empresa não tem site oficial e nem página nas redes sociais e não é habilitada na Comissão de Valores Imobiliários (CVM). O EXTRA foi ao endereço do estabelecimento, mas o local estava fechado.
Ciranda financeira em paraíso loteado
No rastro do dinheiro fácil, a Polícia Civil investiga denúncias de prejuízos e até atentados, como o assassinato de Wesley Pessano Santarém, um jovem de 19 anos que se gabava em redes sociais de ter ficado rico aplicando em mercados como o de criptomoedas.
Sócio de uma empresa de investimentos, o rapaz foi executado a tiros quarta-feira ao volante de um Porsche, em São Pedro da Aldeia, vizinha de Cabo Frio. Wesley pode ter sido vítima de uma disputa por território, segundo policiais. O foco das investigações, por enquanto, está nesse mercado que vem sendo chamado de Novo Egito, em alusão à corrida pelo ouro no país africano. E já existe a suspeita de que os grupos estão se expandindo para cidades vizinhas.
— É evidente que, num primeiro momento, ainda não podemos descartar outras linhas de investigação. Então, também estamos apurando a forma de atuar da vítima, mas uma das linhas mais fortes é esse loteamento, essa divisão da qual temos notícia — explica o delegado Pedro Medina, Diretor Geral de Polícia do Interior (DGPI), responsável por comandar todas as delegacias dessa região.
Além do loteamento, a Polícia Civil também tem inquérito para apurar a atuação de pelo menos dez dessas empresas por suspeita de terem dado golpe com o dinheiro de clientes. Na cidade, já são inúmeros os relatos de pessoas que acusam essas companhias de terem lesado clientes. Há pessoas que venderam todos os seus bens, acreditando que teriam lucros expressivos, e acabaram ficando sem nem um tostão.
Um morador da cidade e comerciante explica que a captação de clientes em áreas bastante humildes da cidade é uma das estratégias. Mas os investidores também buscam se infiltrar nas rodas de pessoas mais influentes da região.
— Eles fizerem contato com policiais, políticos e muitas pessoas que tem influência na cidade. E não parou por aí. Depois disso, foram para os bairros mais pobres — conta o comerciante.
Anúncios de ‘lucro fácil’ viralizam em redes sociais
Já um empresário explica que a crise financeira durante a pandemia do novo coronavírus aumentou o número de pessoas interessadas nos investimentos para ganhar dinheiro.
— Aquelas pessoas que tinham um pouquinho de dinheiro parado na pandemia e queriam fazer render começaram a ouvir falar nessas empresas. Essa história começou nas redes sociais e logo se espalhou — conta um empresário que foi assediado para entrar no esquema, mas que declinou.
Uma apreensão feita pela Polícia Federal em abril deste ano demonstra que o poder financeiro dessas empresas pode ser alto. Foram encontrados R$ 7 milhões dentro de três malas no momento em que eram colocadas dentro de um helicóptero em Búzios, na região dos Lagos. A quantia seria levada para São Paulo por um casal que afirmou trabalhar em uma empresa especializada em criptoativos.
Rapaz de 22 anos, morador de Campo Redondo, entre Cabo Frio e São Pedro d’Aldeia, vendeu uma moto, usada para trabalhar diariamente, recebeu R$ 8 mil e aplicou tudo na investidora. Ele se tornou um consultor. Sozinho levou mais de 50 pessoas. Os sócios fugiram, agora ele cobrado pelos amigos, mas não tem dinheiro.
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