Há mais de 40 anos, Hilda Figueiredo foi eleita a chefe do Executivo de Apiacá, município do Sul capixaba Hilda Bastos de Rezende Figueiredo, primeira mulher eleita prefeita no ES, ao lado de Ulysses Guimarães, em Brasília, para onde viajou em busca de recursos para Apiacá (foto).
Se hoje em dia a participação feminina na política ainda não alcançou os patamares da representatividade das mulheres na população brasileira, imagine como não era o cenário no início da década de 1980, ainda com resquícios da ditadura militar? Mesmo aquela conjuntura desfavorável não foi suficiente para tirar de Hilda Bastos de Rezende Figueiredo a vontade de disputar o pleito em Apiacá, no Sul capixaba, e se tornar a primeira mulher eleita prefeita no Espírito Santo.
Mas, antes de detalhar a trajetória de Hilda Figueiredo, é preciso dizer que a saga dessa mulher exigiu uma pesquisa um pouco mais demorada de A Gazeta. Uma consulta na internet para descobrir seu nome e ser o ponto de partida da reportagem não retornou resultados. Foi preciso ouvir cientistas políticos e historiadores até chegar a indicação de um pesquisador sobre o tema para revelar quem era a figura feminina que havia alcançado tal feito. E lá está ela, citada no livro "Governantes Municipais do Estado do Espírito Santo", de autoria do advogado Gilber Rubim Rangel, para confirmar sua contribuição para a política capixaba.
E foi assim: o ano era 1982 e o país vivia os movimentos de abertura política, mas as capitais, como Vitória, ainda nem podiam eleger prefeitos — até aquele ano foram nomeados. Isso, porque permanecia em vigor o Ato Institucional 3 (AI-3) que, em 1966, havia estabelecido que os prefeitos dessas cidades seriam indicados pelo governador, com aprovação prévia da Assembleia Legislativa.
Mas Apiacá está situado a mais de 200 quilômetros de distância de Vitória e, por lá, Hilda Figueiredo construía outra história. Casada com o ex-prefeito Moacyr Tardin de Figueiredo (1959-1962), ela já havia sido vice-prefeita do município no período de 1973 a 1976, na gestão de Sebastião Corrêa Neto, conforme informações do pesquisador Gilber Rangel.
Até que, seis anos mais tarde, ela decidiu ser a cabeça de chapa na disputa para o comando do município. Filiada ao PDS — partido já extinto e que havia sido fundado em 1980 para suceder à Aliança Renovadora Nacional (Arena), legenda que apoiava o regime militar — Hilda Figueiredo concorreu diretamente com dois homens, inclusive Sebastião, de quem havia sido vice.
Ela obteve 1.134 votos, ante 580 do ex-prefeito, também filiado ao PDS e 443 de Arlézio de Souza Xavier (PMDB), conforme registros do Tribunal Regional Eleitoral (TRE-ES). Uma ampla vantagem frente a seus adversários. Naquele pleito, outros 93 votos foram em branco e 72, anulados.
Vida pública e familiar
A aposentada Alcira Maria de Figueiredo Mello, 60 anos, ainda era adolescente quando a mãe iniciou na política. Apesar da dedicação à vida pública, Hilda nunca abdicou das funções maternas e da casa. Esse perfil de multitarefas, bem característico das mulheres — até para quem está em disputas eleitorais — é uma lembrança vívida para a filha.
"Minha mãe teve oito filhos, é um time grande. Mas ela sempre foi muito ativa, muito presente", ressalta.
Das memórias que guarda da atuação política da mãe, Alcira se recorda do que lhe contaram: mesmo antes de se tornar prefeita, Hilda Figueiredo esteve engajada no processo de emancipação de Apiacá, que era distrito do município de Mimoso do Sul. Já no seu mandato, lutou para que o distrito de Bom Sucesso, que ainda pertencia à cidade vizinha, também passasse a integrar os limites apiacaenses.
Alcira diz que Apiacá era uma cidade muito pobre na época em que a mãe foi prefeita, e que ela conduzia as finanças com rigor. "Ela era muito rígida. As contas estavam um pouco descontroladas e ela conseguiu colocar em ordem", afirma.
Questionada se Hilda Figueiredo havia sofrido discriminação por ingressar na política, Alcira reconhece que esse era um problema, mas que a mãe o enfrentava. Ela até mesmo levava a filha mais nova para fazer companhia e não andar sozinha, na expectativa de que ninguém a destrataria por estar com uma criança. "Era um ambiente muito masculino e tinha preconceito, mas, em casa, ela teve sempre muito apoio, inclusive do meu pai", garante. E a caçula, por essas andanças e outras influências, acabou seguindo os passos da mãe na política.
Hilda Figueiredo nasceu em Bom Jesus do Itabapoana, município do Rio de Janeiro que faz limite com Apiacá, em 1928, e faleceu em 2010, aos 82 anos. Por seu pioneirismo e pelas contribuições à cidade que administrou, tornou-se nome de uma comenda na Câmara Municipal, concedida ao público feminino em homenagens em 8 de Março, Dia Internacional da Mulher.
A Gazeta