A situação de penúria da segurança pública no Rio de Janeiro tem sido agravada pela grave crise financeira do governo estadual. Enquanto os gastos com segurança têm despencado, os índices de criminalidade explodem. A crise é tão grave que juízes e promotores estão inovando: em vez de obrigar a distribuição de cestas básicas para instituições de caridade, resolveram ajudar as polícias Civil e Militar, estipulando penas de doações de papel, canetas, materiais de limpeza e até pneus para viaturas. "Nos crimes que têm penas de prisão pequenas, que são considerados de menor potencial ofensivo, a lei prevê outra forma de o condenado receber a punição: em vez da privação da liberdade, a pena pode ser convertida em valores a serem pagos como multa ou prestação de serviços comunitários", explica a juíza criminal Yedda Filizzola. A GloboNews teve acesso a várias decisões judiciais determinando a doação de materiais para delegacias da Polícia Civil e batalhões da Polícia Militar. A lista inclui materiais de escritório, como canetas esferográficas, papel ofício, grampeadores, grampos, furadores de papel, pastas, tesouras, lápis, apontadores, canetas marca-texto, rolo de barbante, cola, e fichário, além de materiais de limpeza, como sabão em pó, detergente, desinfetante, cloro, pano de chão, limpador multi-uso. Alguns juízes já estipularam outros itens curiosos, como colchões, pneus e até material para adestramento de cães. "Infelizmente estamos vivendo uma confluência de fatores negativos. No momento em que a crise do Estado se agrava, a criminalidade aumenta num patamar assustador. Todo dia a gente acorda com homicídios", afirma a promotora de Justiça Carmen Eliza Carvalho, que dá plantões no Juizado Especial do Torcedor e Grandes Eventos. Ela completa: “Quando não se tem folha e cartucho para imprimir um registro de ocorrência, falta luva para fazer perícia... falta o básico, né? Não tem nada!". Gastos com segurança despencam: Levantamento feito no sistema de execução do orçamento do governo do Estado, feito pelo gabinete do deputado estadual Luiz Paulo (PSDB), comprova a queda vertiginosa nos gastos com segurança. Em 2014, último ano antes da crise, as despesas pagas pela Secretaria de Segurança e pelas polícias Civil e Militar foi de R$ 5,3 bilhões. O valor foi caindo e fechou 2016 em R$ 4,8 bilhões. Este ano, até julho, foram gastos apenas R$ 2,4 bilhões. E o pior: a totalidade desse montante foi gasta com folha de pagamento de pessoal e despesas de custeio, como contas de luz e telefone. Nada foi gasto em investimentos para melhorar a infra-estrutura desses órgãos. Enquanto isso, os casos de letalidade violenta, que incluem homicídios dolosos, mortes em confrontos com a polícia, roubos seguidos de morte e lesões corporais seguidas de morte cresceram 16% de janeiro a maio deste ano, em comparação com o mesmo período de 2016. Foram 2.942 registros em 2017, e 2.528 no ano passado. Se considerarmos só os homicídios dolosos, quando há intenção de matar, houve aumento de 11% de janeiro a maio de 2017, em comparação ao mesmo período de 2016. Foram 2.329 vítimas este ano, e 2.099 em 2016. A violência não poupa nem os policiais. Até agora, 91 policiais militares foram mortos no Estado do Rio este ano – o número já supera os 77 PMs mortos em todo o ano passado. "Em doze anos de magistratura eu nunca vi uma situação tão grave de falta de recursos e de abandono da polícia. Os policiais estão morrendo e não percebemos a gravidade disso", lamenta a juíza Yedda Filizzola. Em nota, a Polícia Militar disse que "a parceria com a iniciativa privada e com a comunidade é uma forma de amenizar os efeitos da crise. Temos estimulado a formação de parcerias, mas dentro dos limites da lei e dos princípios éticos". A Polícia Civil ainda não respondeu. E a Secretaria de Segurança não quis se manifestar.
Fonte: G1