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segunda-feira, 26 de março de 2018

DE SERRINHA A SANTO EDUARDO: A CAMPOS QUE VOCÊ NÃO CONHECE

O maior município, em extensão territorial, de todo o Estado do Rio de Janeiro. Esse é Campos dos Goytacazes, área que compreende as mais diversas topografias que se possa imaginar. São 4.026,696 quilômetros quadrados que abrangem baixada, elevação, litoral, serra e metrópole; espaço em que também se cruzam duas importantes rodovias federais e outras tantas estaduais. Diante de tamanha heterogeneidade cultural, social e econômica, é estranho pensar que a maior parte da população que aqui reside desconhece ou ignora esse fato. Mas, ao ouvir os depoimentos de moradores de algumas localidades, constata-se a realidade: o campista não compreende a dimensão de Campos.

Em homenagem ao aniversário de elevação à categoria de cidade — episódio comemorado no dia 28 de março — a equipe de reportagem do Jornal Terceira Via volta os olhos aos “relegados”, àqueles locais que, exceto os frutos dali, poucos lembram que existem; mas se mantém, mesmo perante as adversidades comuns aos que estão a mais de 10 quilômetros da área central. O jornalismo procurou os moradores de Santo Eduardo, Guandu, Mata da Cruz, Serrinha e Tocos, e esses foram unânimes ao afirmar que são muitos os desafios de viver fora do eixo.
Santo Eduardo
Situado a aproximadamente 80 km do Centro de Campos, o distrito fica tão longe da cidade a que pertence, que mais parece pertencer a outra. Para se ter uma ideia, é mais fácil resolver as pendências em Bom Jesus do Itabapoana, que na sede campista. O fotógrafo Lenilson Werneck vive em Santo Eduardo desde que nasceu e, para ele, hoje, o maior desafio de morar no distrito é a missão despendida para pagar contar e/ou realizar demais trâmites financeiros.
Até o final do ano passado, o local possuía uma agência dos Correios que também funcionava como correspondente bancário. Mas a agência fechou e a população precisa agora se locomover até o Centro ou Bom Jesus para resolver toda e qualquer questão relacionada a dinheiro. “Esse problema ainda reflete na economia, porque a população está deixando de comprar no comércio local”, criticou Lenilson. Questionado se gostava ou não de morar ali, ele foi categórico: “há mais desvantagens que benefícios”, concluiu.
Guandu
Essa localidade pertence ao distrito de Travessão e fica a 20 km da área central. Pequenina e escondida, Guandu reserva uma tranquilidade incomum para os padrões de Campos. Tanto que a funcionária pública Tayana Arêas, grávida de nove meses, não hesitou ao afirmar que é ali que quer criar o seu filho. Mas não é só de calmaria que se faz a localidade. São muitas as dificuldades vivenciadas pela população desse lugar, tantas vezes esquecido.
Tayana, que estudou e trabalhou por seis anos na sede do município, contou que é a carência do transporte o alvo principal das reclamações. Ela disse que os moradores chegam a esperar quatro horas por uma condução. “Às vezes, para evitar transtornos, vamos até a pista, perigosa, para aguardar alguma van que, por acaso, possa passar por ali”, relatou. No entanto, as intempéries, para ela, não desqualificam a localidade. “Vou retornar aos estudos assim que o meu bebê estiver maiorzinho e não me intimido. Sei que enfrentarei alguns obstáculos, mas foi aqui que eu nasci, cresci e pretendo continuar”, anunciou a jovem.
Serrinha
O 15º Distrito de Campos fica a quase 60 km da área central. Situado às margens da BR-101 e com inúmeras propriedades rurais, Serrinha vive hoje um dilema que tira o sono dos moradores: a criminalidade. Mesmo com características interioranas, o distrito também foi tomado pelo tráfico de drogas e, para piorar a situação, o Destacamento de Policiamento Ostensivo (DPO) da localidade está fechado, mesmo após a população ter se prontificado a reformar — com as próprias mãos! — a viatura da Polícia Militar (PM) que atendia o lugar. “Os traficantes se sentem livres aqui, uma vez que não há quem os reprima”, denunciou o comerciante José Carlos Azevedo. Outro problema vivenciado pelos moradores de Serrinha seria, por exemplo, a falta de manutenção das estradas vicinais (entre elas a RJ-180), que dificulta o escoamento da produção rural e até mesmo a locomoção. “Infelizmente nossos governantes estaduais e municipais não veem que o futuro está no agronegócio”, declarou.
Tocos
Entre as localidades e distritos aqui citados, Tocos é o mais próximo do Centro, mas também abarca peculiaridades que os cidadãos da metrópole podem não compreender, como a carência de um mísero caixa eletrônico, por exemplo. Localizado na Baixada Campista, essas características típicas do interior podem ser interpretadas de modo positivo ou negativo. Para o professor, Luiz Augusto Bernardo de Souza, a vantagem de morar em Tocos é não precisar conviver com o “caos da cidade grande”, o que contribui para a tranquilidade emocional.
Quanto aos desafios, o professor destaca alguns: “Ficamos horas e horas à mercê de um ônibus ou de uma van que, quando vêm, ficam sempre abarrotados. E para piorar, para tirar dinheiro ou pagar contas, precisamos ir até Goitacazes e, para isso, precisamos do transporte”, comentou. Mas esses problemas não apagam a esperança dos moradores dali: “Sonhamos e acreditamos que dias melhores virão”, concluiu Luiz Augusto.
Mata da Cruz
Imagine um lugar em que não há, sequer, uma farmácia. Esse é Mata da Cruz, vilarejo histórico, desbravado ainda no período colonial. Para chegar até lá, saindo do Centro, leva-se mais de duas horas; é tanto chão que as crianças e adolescentes preferem estudar em Italva, município mais próximo, a uma hora de distância.
Contudo o isolamento tem suas vantagens: Mata da Cruz é rodeado pela natureza e ainda preserva a cultura do cooperativismo. Tanto que a reforma da capela do lugar é assunto que diz respeito a todos que vivem ali. O servidor Edimar Pereira Barreto, contou como é a rotina dos “mata da cruzenses”. “Por não termos uma farmácia, por exemplo, fazemos encomendas de remédios ao único comerciante da vila. Os moradores se ajudam; aqueles que têm carro levam todos os outros até a cidade. Também somos orgulhosos da nossa cultura e a nossa política ainda é muito forte; temos consciência dos nossos direitos e lutamos por eles, mesmo diante daqueles que não sabem que nós e/ou o nosso lugar existimos”, concluiu.

Jornal Terceira Via

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