Páginas

terça-feira, 17 de setembro de 2019

ZECA PAGODINHO LANÇA NOVO ÁLBUM, “MAIS FELIZ”.MÚSICA DE TRABALHO DE TONINHO GERAES E PAULINHO REZENDE


Foto:Divulgação
Colocar um disco de Zeca Pagodinho na vitrola equivale a dar a partida numa daquelas máquinas que nos transportam no tempo e no espaço. E essa viagem nada tem a ver com as palavras “disco” e “vitrola”, que de tão antigas já parecem de outro mundo. Não importa se você é do tempo em que se ouvia o LP novo de Zeca na vitrola, o cassete no toca-fitas, o CD no walkman ou o álbum faixa a faixa nas plataformas digitais – a experiência é a mesma. Um trabalho do maior sambista do Brasil é sempre mais do que uma simples coleção de músicas. Zeca Pagodinho, quando oferece um novo projeto a seu público, é como se convidasse o país inteiro a um passeio pelo subúrbio, uma caminhada descompromissada pelo estilo de vida que o consagrou, sinônimo da brasilidade mais genuína, aquela que anda descalça na rua e puxa assunto com o vizinho pra saber das novidades. Assim é “Mais feliz”, o 24º álbum solo de uma carreira que tem números maiúsculos, proporcionais à adoração do povo pela figura de Pagodinho.
Zeca pega seu ouvinte pela mão e leva pelo Del Castilho da infância, onde a garotada jogava bola no asfalto. Percorre o Irajá da adolescência, pulando de seresta em seresta pelos quintais das redondezas. Passa pela Madureira e Cascadura que abrigavam o Pagode da Tia Doca e o Pagode do Arlindo. E chega à Xerém da vida adulta, de ontem, de hoje e de sempre, onde vai à feira comprar flores pra oferecer ao santo. É a rotina da fezinha no jogo do bicho, do banho de mangueira na calçada, do pão quentinho pela manhã, do amolador de faca gritando lá fora, do gole de conhaque barato pra abrir e fechar os trabalhos. É a memória afetiva de uma vida vivida na rua, em becos, encruzilhadas e vielas.
Colocar um disco de Zeca Pagodinho na vitrola equivale a dar a partida numa daquelas máquinas que nos transportam no tempo e no espaço. E essa viagem nada tem a ver com as palavras “disco” e “vitrola”, que de tão antigas já parecem de outro mundo. Não importa se você é do tempo em que se ouvia o LP novo de Zeca na vitrola, o cassete no toca-fitas, o CD no walkman ou o álbum faixa a faixa nas plataformas digitais – a experiência é a mesma. Um trabalho do maior sambista do Brasil é sempre mais do que uma simples coleção de músicas. Zeca Pagodinho, quando oferece um novo projeto a seu público, é como se convidasse o país inteiro a um passeio pelo subúrbio, uma caminhada descompromissada pelo estilo de vida que o consagrou, sinônimo da brasilidade mais genuína, aquela que anda descalça na rua e puxa assunto com o vizinho pra saber das novidades. Assim é “Mais feliz”, o 24º álbum solo de uma carreira que tem números maiúsculos, proporcionais à adoração do povo pela figura de Pagodinho.
Zeca pega seu ouvinte pela mão e leva pelo Del Castilho da infância, onde a garotada jogava bola no asfalto. Percorre o Irajá da adolescência, pulando de seresta em seresta pelos quintais das redondezas. Passa pela Madureira e Cascadura que abrigavam o Pagode da Tia Doca e o Pagode do Arlindo. E chega à Xerém da vida adulta, de ontem, de hoje e de sempre, onde vai à feira comprar flores pra oferecer ao santo. É a rotina da fezinha no jogo do bicho, do banho de mangueira na calçada, do pão quentinho pela manhã, do amolador de faca gritando lá fora, do gole de conhaque barato pra abrir e fechar os trabalhos. É a memória afetiva de uma vida vivida na rua, em becos, encruzilhadas e vielas.
As letras de “Mais feliz”, seja num partido-alto, num calango ou num samba dolente, carregam essa impressão digital, esse DNA particular, pessoal e intransferível. Bote o CD pra girar e se divirta com histórias da figura que quer alugar um puxadinho, do outro que pede fiado na quitanda e daquele que está contando o dinheiro do mês, ansioso pela chegada da sexta-feira de samba e cerveja. Tem também a muvuca correndo atrás do carro do ovo, briga de peixeira e facão no meio da praça, a turma que resolve as coisas no tapa e uma malandragem que só queria (bons tempos!) levar sua grana e nada mais. Ouvir Zeca é deixar pra trás momentaneamente esse Brasil violento e com os nervos à flor da pele da segunda década do século 20 para desembarcar no eldorado, na terra prometida, na shangrilá dos corações suburbanos.
Mas caminhar pelas estradas da vida desacompanhado não tem graça, e Zeca sabe disso melhor do que ninguém. A cada disco, se cerca dos amigos de sempre, mais inspirados do que nunca, reforçando outra característica típica da vizinhança de bairro: a lealdade à turma que mora do lado esquerdo do peito. Os compositores que frequentam esse álbum são aqueles que você gostaria de encontrar em qualquer esquina pra trocar uma ideia ou tomar um rabo de galo – e passar o olho nos créditos é como fazer uma retrospectiva dos sucessos da carreira de Zeca. Tem o Monarco de “Coração em desalinho”, o Nelson Rufino de ”Verdade”, o Toninho Geraes de “Uma prova de amor”, o Paulinho Rezende de “Seu balancê”, o Moacyr Luz de “Vida da minha vida”, o Roberto Lopes de “Ratatuia”, o Serginho Meriti de “Deixa a vida me levar”, o Alamir de “Tá ruim, mas tá bom”, o Marcos Diniz de “Caviar”, o Claudemir de “Ogum”. Isso sem falar na direção artística de Max Pierre, na produção de Rildo Hora e nos arranjos de Mauro Diniz, maestro Leonardo Bruno e Paulão 7 Cordas, nomes que acompanham Pagodinho há décadas, assim como os integrantes da Banda Muleke e a incomparável Velha Guarda da Portela.
E, como em toda turma que se preze, tem sempre gente nova chegando pra se juntar aos bambas consagrados. Rafael Delgado e Ronaldo Barcellos estreiam num disco de Zeca com a música “Quem casa quer casa”, crônica imobiliária que coincidentemente (ou não!) passeia por regiões muito frequentadas pelo cantor na juventude: Bangu, Marechal Hermes, Cabuçu e Vigário Geral. É como aquele vizinho novo que se muda para o bairro e em pouco tempo já está íntimo da galera, curtindo os mesmos pagodes. Nas ruas, a empatia se dá de diversas formas. Aqui, o critério único é a vocação pra fazer samba bom.
Zeca também traz para “Mais feliz” um dos maiores aprendizados de sua infância. Quando tinha seus 10 anos, era comum visitar o tio Thybau (sua grande referência musical), que comandava rodas e serestas em Irajá. Ali, o menino exercitava a reverência aos mais velhos, que retribuíam mostrando para a juventude canções de outros tempos, perpetuando letras e melodias nos ouvidos da garotada. Esse entrelaçamento de gerações é um bonito capítulo do novo disco de Pagodinho, que resgata um sucesso dos saraus de outrora para dividir com dois talentos que renovaram o cenário instrumental brasileiro. “Apelo”, de Vinicius de Moraes e Baden Powell, reaparece com interpretação tocante de Zeca, acompanhado do bandolim de Hamilton de Holanda e do violão de 7 cordas de Yamandu Costa, dois herdeiros de Baden na arte de driblar harmonias com as cordas.
Outra faixa que cruza épocas é “O sol nascerá (a sorrir)”, de Cartola e Elton Medeiros. Neste samba, escolhido para a abertura da novela das 7 da TV Globo, “Bom sucesso”, Zeca tem a companhia de Teresa Cristina, portelense da gema que recentemente viajou o mundo exportando a obra do fundador da Mangueira. Em apenas 2min38seg, com a reunião imaginária de Cartola, Elton, Zeca e Teresa, quatro gerações do que de melhor nossa cultura já produziu, a gente consegue explicar o Brasil todinho – impossível não sorrir.
A última participação do disco é Xande de Pilares. Nesse caso, Zeca não recorre ao passado, mas bebe na fonte da novíssima produção brasileira de samba – e se embriaga com “Dependente do amor”, canção romântica composta pelo ex-vocalista do Revelação com Gilson Bernini e Brasil do Quintal. Zeca Pagodinho, assim, assina embaixo e reconhece firma na trajetória de Xande, sambista de incontestável filiação aos bambas formados no Cacique de Ramos – e que certa vez ousou desafiar o mestre do improviso num duelo de versos, que terminou empatado, para glória do novato.
Zeca é professor na arte das rimas e poeta de pena afiada, autor de clássicos como “Lama nas ruas”, “SPC” e “Bagaço da laranja”. Mas há tempos tem preferido abrir espaço em seus discos para as obras dos amigos (olha a generosidade suburbana aí!), o que freou seu lado compositor. Em “Mais feliz”, realiza proeza que não acontecia desde 2005, no CD “À vera”: apresenta duas inéditas com parceiros diferentes. “Enquanto Deus me proteja” é a primeira dobradinha com Moacyr Luz, escrita por Zeca numa segunda-feira e musicada por Moa já na madrugada seguinte, exatamente quando se comemorava o Dia Mundial do Compositor – informação importante para quem acredita que há mais coisas entre o céu e a Terra do que supõe nossa vã filosofia de botequim.
A outra inédita da lavra de Pagodinho é “Nuvens brancas de paz”, com o seu maior parceiro e amigo, Arlindo Cruz, e Marcelinho Moreira. Foi feita no método recorrente da dupla: Zeca chegou à casa de Arlindo com uma ideia, os dois trabalharam nela a madrugada toda (dessa vez, na companhia de Marcelinho) e, na manhã seguinte, ninguém se lembrava de mais nada – não fosse o gravador salvador do imperiano, que legou o samba para a posteridade. A canção é obra-prima que enxerga o amor sob a ótica dos poetas portelenses, das lágrimas de Manacéia à iaiá de Paulo da Portela, dos pensamentos de Mijinha à franqueza de Casquinha, injetando dose extra de Oswaldo Cruz na veia, remédio certeiro para a alma de qualquer sambista.
Arlindo Cruz, aliás, é a ausência mais presente no álbum. Nestes quase 40 anos de carreira de Zeca, ele participou de todos os momentos importantes. A primeira música de Pagodinho a ser gravada, “Dez mandamentos” (por Walmir Lima, em 1981), era parceria com Arlindo. Sua estreia no microfone, “Camarão que dorme a onda leva”, no disco de 1983 de Beth Carvalho, é da dupla e de Beto Sem Braço. No pau de sebo que o lançou como cantor, “Raça brasileira”, de 1985, Arlindo atua como músico. E foi o parceiro quem fez a dedicatória do primeiro disco solo de Zeca, sucesso estrondoso em 1986: “É a hora de você, Zeca, com seu sangue novo, sua garra, também fazer e segurar o seu sucesso. Vá em frente, parceiro!”, escreveu Arlindo. De lá pra cá, apareceu como compositor em todos os discos de inéditas lançados por Pagodinho, sem exceção, e frequentava sempre os estúdios, tocando banjo nas faixas e fazendo a farra nos intervalos. Dessa vez, um problema de saúde impediu Arlindo de estar por perto. E Zeca sentiu falta. Resolveu, então, dedicar o trabalho ao amigo, em texto escrito a mão no encarte: “Quero dedicar esta obra ao meu compadre, amigo e parceiro Arlindo Cruz, esperando que na próxima ele esteja comigo no estúdio, como sempre foi”.
Com esta dedicatória, Zeca deixa o último recado dessa viagem-às-coisas-simples-da-vida em 14 faixas: os botecos, as peladas, os churrascos na laje e as outras maravilhas do mundo suburbano só fazem sentido com as pessoas queridas em volta. São elas que dão colorido à paisagem cinzenta das nossas vidas. E é esse o grande poder de um artista como Zeca Pagodinho, a capacidade de reunir gente em torno de sua arte. Basta olhar os fãs do cantor para confirmar a teoria: eles estão sempre de sorriso aberto para a pessoa ao lado. seja sambando num pagode de beira de rua, cantando de ouvido colado no rádio ou levantando o copo de cerveja em seus shows. Com esse novo disco, Zeca continua cumprindo à risca sua missão: a de formar a roda para o povo bater junto na palma da mão. Cada vez mais feliz.
Jornal de Brasília

Blog do Jailton da Penha-JDP

Nenhum comentário:

Postar um comentário