Por pendências junto ao Tribunal de Contas do Estado (TCES), 35 municípios capixabas estão impedidos de receber transferências voluntárias do governo estadual. Já pelo não cumprimento de requisitos exigidos no Cadastro Único de Convênios (Cauc), 52 cidades do Espírito Santo estão impossibilitadas de receber transferências da União. Vinte e nove é exatamente o número de cidades que figuram nas duas listas.
A ajuda financeira geralmente chega por meio de convênios para a realização de obras ou de contratos de repasse. As principais aplicações são em obras de infraestrutura, aquisição de maquinários e outros tipos de investimento.
Mas, se as verbas a serem recebidas forem da União, os municípios precisam estar adequados a todos os itens exigidos no Cauc. É analisado, por exemplo, se o município possui débitos tributários, previdenciários e relativos a empréstimos.
Já no caso dos repasses estaduais, o município só recebe os recursos se estiver com a Certidão de Regularidade em dia junto ao TCES, atestando que a administração está de acordo com a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). São 13 itens observados, e basta descumprir um deles para estar negativado.
Entre as exigências, o município tem que cumprir o gasto mínimo com Educação e Saúde determinado pela Constituição, obedecer aos limites legais para os gastos com pessoal, publicar relatórios de gestão fiscal, e somente deixar despesas a serem pagas, na virada de um ano para o outro, dentro do limite do que tem em caixa – que é a chamada inscrição em restos a pagar.
Este último item tem sido o maior responsável pela negativação das cidades capixabas, afetando 14 delas. Se o município deixa esses restos a pagar de um ano para o outro, significa que a despesa foi realizada sem haver dinheiro em caixa, ou que havia os recursos e o prefeito não pagou no tempo certo.
A situação se torna mais delicada por ter havido a troca de prefeito no início deste ano, de acordo com o presidente da Associação dos Municipios do Espírito Santo (Amunes), Guerino Zanon (PMDB), que é prefeito de Linhares.
“A mudança de gestores e de equipes impacta, pois não é fácil conseguirmos ajustar o que não foi cumprido no último quadrimestre do ano passado com as demandas do atual. Temos buscado o diálogo para conseguir um aumento nos prazos para os municípios cumprirem todos os requisitos”, afirmou.
Outra exigência que tem sido descumprida é o limite de gastos com pessoal, que não pode ultrapassar 54% da receita. O vice-presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Glademir Aroldi, justifica que nem sempre este indicador negativo significa que o município está contratando mais do que pode.
“Há uma queda na receita e aumento na folha, pois todo ano tem reajuste. Há vantagens de algumas categorias, como a dos professores, que a prefeitura é obrigada a pagar”, frisou.
Entenda
Os repasses
Transferências voluntárias
São aquelas feitas pelo Estado ou pela União aos municípios, entregando recursos a título de cooperação, sem obrigatoriedade, geralmente firmando convênios para a realização de obras ou compra de maquinário.
Regularidade
Para poder receber os recursos do Estado, os municípios precisam estar em dia com a Lei de Responsabilidade Fiscal e obter uma certidão do Tribunal de Contas. Para as verbas da União, não podem ter pendências no Cadastro Único de Convênios (Cauc).
As pendências
Restos a pagar
Quando as despesas não podem ser pagas no exercício em que foram contraídas, viram restos a pagar para o ano seguinte. Mas essas “dívidas” deixadas de um ano para o outro precisam contar com saldo deixado em caixa. Esta foi a irregularidade mais comum cometida pelos municípios, ocasionando a certidão negativada.
Atrasos deixam obras paradas pelo caminho
Dos R$ 492 milhões que a União deveria mandar para o ES, só R$ 48 milhões vieram
Não são só as exigências burocráticas as únicas responsáveis pelos recursos do Estado, e principalmente da União, não estarem chegando aos municípios. Em muitos casos, é o governo federal que não tem cumprido com compromissos de repassar as verbas pactuadas em convênios, ocasionando uma paradeira geral nas obras.
Um estudo feito pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) aponta que, até setembro deste ano, a liberação dos recursos em restos a pagar tem sido lenta. Dos R$ 492 milhões que os municípios capixabas têm a receber do governo federal para tocar as obras feitas em parceria, apenas R$ 48 milhões já foram disponibilizados.
O resultado disso são 324 obras não iniciadas e 158 que começaram, mas estão paralisadas, em todos os municípios do Espírito Santo. Essas obras são aquelas feitas com investimentos do governo federal. Há, no momento, apenas 13 obras que foram concluídas ao longo deste ano.
O vice-presidente da CNM, Glademir Aroldi, destaca a dificuldade que os municípios passam a ter para fazer suas prestações de contas, em situações como essas.
“Ou temos que devolver parte do que já foi recebido, ou concluir a obra com recursos próprios, o que geralmente não é possível. Quando o município descumpre algo, é colocado em um cadastro de inadimplentes. Mas quando a União não nos repassa aquilo que foi acordado e temos direito de receber, nada acontece. É uma situação injusta criada pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”, critica.
Para o secretário-geral de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado, Rodrigo Lubiana, há de fato uma distorção neste aspecto legal.
“Quando o município não recebe uma transferência, quem é penalizado é toda a cidade, e não o gestor que descumpriu. Será a população que ficará sem o investimento prometido”, avalia.
Governo Temer só repassou R$ 22 bi para todo o país
A possibilidade das prefeituras entregarem algum tipo de obra à população tem se tornado cada vez mais difícil. Com pouca margem de recursos próprios para investir, elas, que sempre dependeram muito dos investimentos feitos pela União, não têm contado mais com este auxílio.
De acordo com o estudo da CNM, nos primeiros oito meses de 2016 foram investidos R$ 35,1 bilhões, enquanto em 2017 o montante foi de apenas R$ 22,6 bilhões.
Para o presidente da Amunes, Guerino Zanon (PMDB), esta política de contenção de gastos do governo federal acaba comprometendo a retomada do crescimento.
“O que movimenta o país são os investimentos feitos pelo setor público, mas o Brasil está quebrado. Se as obras param, gera desperdício e o dinheiro não circula”, comentou.
Programas viram dor de cabeça
A crítica dos municípios à União não se limita ao corte nos investimentos. Para eles, o maior problema existente hoje são os inúmeros programas criados, como o Brasil Carinhoso, Saúde da Família, entre outros, aos quais o governo federal contribui apenas com uma pequena parcela dos recursos necessários para mantê-los em funcionamento, sobrecarregando as cidades.
“Há hoje 392 programas à disposição dos municípios, todos subfinanciados. Mas a União, que é quem arrecada a maior parte dos impostos, arca com uma quantia desproporcional. No Saúde da Família, por exemplo, ela repassa cerca de R$ 10 mil por cada equipe de profissionais a ser contratada. Mas há anos esse valor não é reajustado, e hoje o custo de cada equipe chega aos R$ 48 mil. Isso faz com que os orçamentos dos municípios não deem conta. Temos orientado os municípios a não aderir mais aos programas, pois temos pagado um preço muito alto”, explica o vice-presidente da CNM, Glademir Aroldi.
A percepção estadual, por meio da Amunes, não é diferente.
“O governo federal é mestre em divulgar programas lindos, mas os recursos não chegam aos municípios para aplicação e manutenção deles. Além disso, enquanto são programas, não podemos fazer concursos públicos para os profissionais”, comenta o presidente da entidade, Guerino Zanon.
Gazeta Online