O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), por meio da 1ª e da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal de Campos dos Goytacazes, denunciou quatro médicos envolvidos na morte do jovem Fernando Iuri Chagas Rangel, ocorrida em dezembro de 2013, resultante de complicações neurológicas decorrentes de anestesia em cirurgia eletiva. A acusação foi feita após término das investigações conduzidas diretamente pelos promotores de Justiça.
O cirurgião Paulo Cézar Mota da Rocha e o anestesista Luis Bernardo Vital Brasil Bogado foram denunciados por homicídio doloso e falsidade ideológica. O dolo eventual ficou caracterizado pelo fato de os dois terem assumido o risco da morte do rapaz, com a omissão de deveres de cuidado, ao injetarem pesadas drogas sem ofertar oxigênio suplementar e praticando cirurgias e anestesias simultâneas. Os médicos Rocklane Viana Areas e Hugo Manhães Areas foram denunciados por falsidade ideológica.
No dia do crime, Luis Bernardo aplicou forte medicação anestésica em Fernando Iuri, utilizando-se da associação de Inoval, Dormonid e Ketalar. De acordo com laudo pericial, os três medicamentos, somados ao bloqueio de plexo, podem “causar depressão respiratória isoladamente”, resultando na “potencialização dos seus efeitos em razão da associação feita”, evoluindo-se para uma “parada cardíaca se não estivesse mantida vigilância constante”.
Vídeo integral da cirurgia revelou que, apesar da previsibilidade quanto à evolução e aos efeitos dos remédios que aplicava, o anestesista não agiu de forma a conter os riscos mortais que decorreriam da depressão respiratória advinda da sua ação médica. Luis Bernardo manteve a vítima em respiração espontânea em ar ambiente, sem ofertar aporte suplementar de oxigênio e, principalmente, sem manter vigilância constante e permanente do seu paciente, conforme preconiza resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM).
As imagens revelam que, logo após aplicar a anestesia, Luis Bernardo abandonou a sala cirúrgica, deixando o paciente anestesiado sem qualquer acompanhamento ou providência paliativa. O livro de registros cirúrgicos da enfermagem e os prontuários de outros pacientes revelaram que, no dia do crime, Paulo Cézar e o anestesista programaram e realizaram diversas cirurgias e anestesias simultaneamente, o que é terminantemente proibido pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) e pelo CFM.
“O risco de depressão respiratória não foi amenizado ou contido por nenhuma outra prática médica, demonstrando não se importar com a vida alheia e unicamente interessado no proveito financeiro das suas três anestesias simultâneas e particulares”, diz a denúncia referindo-se a Luis Bernardo.
Disparados os alarmes de anormalidades vitais no corpo do paciente, o que era revelado pelos sinais visuais e sonoros do monitor anestésico, Bernardo permaneceu alheio e indiferente ao quadro fisiológico que se instalava na vítima, ficando inerte por mais 6 minutos e 3 segundos, conforme verifica-se no vídeo.
“Não houve dúvidas, portanto, que o segundo denunciado deixou o paciente entregue à sorte divina, sem adotar providência ou ação, apesar de ser o único garantidor responsável pelo controle dos sinais vitais da vítima”, ressalta a denúncia. Ao todo, o anestesista se manteve fora da sala cirúrgica por mais de 36 minutos, dos 45 minutos de cirurgia, até soarem os alarmes dos sinais vitais monitorados.
Paulo Cézar, por sua vez, era o titular e chefe da equipe cirúrgica, responsável exclusivo pela composição de sua equipe. Durante toda a cirurgia e todo o período que antecedeu a intervenção da equipe por ele chefiada, tinha pleno conhecimento de que o anestesista escolhido realizava três ou quatro anestesias simultâneas.
De acordo com a denúncia, Paulo decidiu assumir os riscos da sua omissão. Apesar de titular e chefe de uma equipe, também realizava cirurgias simultâneas, previamente agendadas e eletivas. Paulo deixou de suspender o ato ou de convocar o anestesista de plantão de forma a substituir o profissional de sua escolha, que insistia em se manter fora da sala cirúrgica.
As agendas das cirurgias, todas programadas e eletivas, registram que os dois médicos trabalharam em diferentes salas de cirurgia até as 20 h do dia do crime. Paulo realizou dez cirurgias; e Bernardo, dezoito. Ambos atuaram em várias cirurgias simultâneas, sem qualquer indicativo de urgência ou emergência. A realização de anestesias simultâneas é considerada prática atentatória à ética médica, por comprometer seriamente a segurança do paciente.
Ao final do procedimento, os dois escamotearam as informações reais do procedimento cirúrgico, registrando no prontuário médico dados e informações que não condizem com a verdade. Junto com Paulo e Bernardo, os outros dois denunciados omitiram, no prontuário médico, declarações que dele deveriam constar.
“Igualmente inserindo declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito e alterar a verdade sobre fato médico e juridicamente relevante, em prejuízo da vítima Fernando Iuri Chagas Rangel, de seus familiares e dos órgãos técnicos de controle da atividade médica”, destaca a denúncia.
Embora no prontuário assinado pelos médicos, conste o nome de Paulo como cirurgião titular e de Rocklane como médico assistente, o vídeo e os depoimentos revelam que, na verdade, Rocklane atuou como titular e Hugo como cirurgião assistente. A ausência de Paulo em grandes períodos de tempo se deu em função de sua atuação concomitante em outras cirurgias.
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