Às 8 horas, a Praia das Virtudes, em Guarapari, já está ocupada, com ombrelone e tendas montadas na areia. Porém, debaixo delas não há ninguém. Estão ali para demarcar o espaço de moradores e turistas de temporada hospedados nos prédios ao redor. O local foi “loteado”, situação já noticiada por A GAZETA no verão do ano passado.
A reportagem percorreu a cidade na última semana e constatou que a demarcação se repete nas praias do Morro, Castanheiras e Peracanga. A das Virtudes possui cerca de 70 metros de extensão. As estruturas ficam montadas por vários dias. Revoltada, uma mulher que mora próximo à praia, e que preferiu não se identificar, diz que conhece os donos das tendas. “Colocam na semana depois do Natal e tiram depois da Semana Santa.”
Em janeiro do ano passado, A GAZETA mostrou tendas e um ombrelone instalados nos mesmos pontos da praia. Na época, os responsáveis apresentaram um documento de autorização assinado pelo então Superintendente da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), Magno Pires, em 2014. O órgão, por sua vez, negou que emitisse aquele tipo de autorização.
Após verificar a presença das tendas na Praia das Virtudes na semana passada, a equipe de reportagem retornou ao local à tarde e o ombrelone tinha sido retirado. Uma mulher, que não quis revelar o nome, informou que a estrutura pertence aos moradores do prédio onde mora. “São 49 famílias que fazem o uso. Eu inclusive uso. Se todos descerem com suas barracas, ocupa o espaço todo. Concordo porque é uma forma de racionamento de espaço”, disse.
Impaciente com a presença da reportagem, outro morador afirmou que é seu direito demarcar o espaço na praia. Reforçou que a estrutura está registrada na SPU. “Para quem paga 4 mil de IPTU aqui tem mais é que demarcar a praia.”
REVOLTA
Um casal de turistas de Belo Horizonte, o economista Leonardo Medeiros e a funcionária pública Verônica Medeiros, não concordam com a demarcação. Guarapari é o ponto de encontro da família todo verão. Eles se dizem envergonhados ao ver a atitude dos donos das barracas. “Aqui sempre dá confusão”, disse Leonardo.
Ele acredita que a explosão imobiliária, com as construção de diversos prédios na região foi o grande influenciador pela criação da cultura da chamada “praia particular”. “Mas a praia é pública. Às vezes a gente chega às 8h30 e as tendas ficam vazias até meio dia.”
Brigas entre banhistas e donos das estruturas
Assim como acontece na Praia das Virtudes, a demarcação de espaço com tendas, barracas, guarda-sóis e ombrelones, instalados por dias durante o período do verão acontece também em outras praias de Guarapari. Em Peracanga, a reclamação é sobre as frequentes brigas entre banhistas que chegam cedo e ocupam as barracas vazias e os donos das estruturas que aparecem horas depois reivindicando o espaço.
De acordo com a turista de Campos dos Goytacazes Marilena Almeida Rodrigues, quando a maré está alta a disputa por espaço é pior. Ela indicou as estruturas que estavam há dias na praia e afirmou que não vê ações do administração pública. “Desde ontem essa vermelha está aqui e não percebi nenhuma ação da prefeitura”, disse.
A aposentada Luise Tardem frequenta a praia há 20 anos e está revoltada com a atitude de pessoas que deixam as tendas montadas e vazias. Isso porque muitos donos chegam ao local após a hora do almoço e ficam pouco tempo na praia.
“São várias que estamos vendo há dias sem ninguém. A praia é pequena e espaço não é satisfatório para colocar um monte de tendas”, afirma a aposentada.
SPU nega ter liberado tendas, mas não informa sobre fiscalização
A Superintendência do Patrimônio da União (SPU), de Brasília, informou que não concedeu autorização para a instalação de ombrelones, tendas, barracas e guarda-sóis de forma fixa na Praia das Virtudes, Guarapari. Mas o órgão não explicou se a fiscalização continuou sendo feita após a denúncia de A GAZETA sobre a situação no verão do ano passado. Já prefeitura disse que todo material que estiver fora de uso nas praias da cidade será retirado.
Em janeiro de 2017, a SPU disse que havia enviado uma equipe do órgão no Estado ao local para verificar a denúncia da instalação irregular das estruturas. Na ocasião, a SPU informou que tendas já haviam sido desmontadas e os responsáveis não foram identificados.
Um ano depois, o órgão ressalta que as áreas de propriedade da União, o que inclui as praias, se caracterizam como de uso comum. A SPU se comprometeu a fiscalizar novamente o local.
Também por meio de nota, a Prefeitura de Guarapari informou que as estruturas são permitidas nas praias desde que estejam em uso, e não vazias. Todo material que não estiver sendo utilizado estará sujeito a retirada pela Secretaria Municipal de Postura e Trânsito. Disse ainda que esta semana uma nova ação será realizada nas praias do município objetivando o ordenamento.
DOCUMENTO
A SPU não respondeu ao questionamento sobre a validade do documento de autorização apresentado pelos donos das barracas da Praia das Virtudes no ano passado. Assinado pelo então superintendente do órgão no Estado, o papel dizia que, por não estar sobre base de concreto fixo, o ombrelone não desrespeitava a legislação.
Na época, o grupo informou que era realizado o pagamento de R$ 750 ao ano para manter a estrutura.
QUESTÕES QUE A SPU NÃO RESPONDEU
1. Um dos donos das tendas na Praia das Virtudes disse que é legalizada pela SPU. Isso é verdade?
2. Um dos responsáveis apresentou documento no ano passado que legalizaria a situação. Ele é válido?
3. A fiscalização continua sendo realizada?
Denúncia do MPF sobre o caso foi arquivada
A demarcação de espaços com a instalação das estruturas fixas no período de verão na Praia das Virtudes foi denunciado ao Ministério Público Federal no Espírito Santo (MPF-ES), em janeiro de 2017. Porém, o caso foi arquivado em julho do mesmo ano, pois segundo o MPF, a apuração indicou que os problemas haviam sido sanados.
Segundo o MPF, a prefeitura de Guarapari informou ao órgão que as tendas e barracas haviam sido retiradas e que, portanto, a situação denunciada não persistia mais.
Em nota, o órgão disse ainda que determinou a adoção de fiscalizações contínuas na região pela Secretaria de Fiscalização, principalmente nos períodos de grande movimento, com objetivo de evitar “novas ocupações indevidas que acarretem o cerceamento do uso e gozo das áreas públicas pelos munícipes e visitantes”.
O MPF diz que o procedimento foi arquivado, pois, o posicionamento adotado pelos órgãos municipais, até aquele momento, indicava não aconteceram novas demarcações com estruturas fixas por longo período de tempo.
Questionado sobre novas denúncias do retorno da prática, o órgão disse que não recebeu novas manifestações semelhantes.
Gazeta Online