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domingo, 27 de dezembro de 2015

FAMÍLIA SILVA DE APIACÁ: RETRATO DO BRASIL 2015

IMAGEM ILUSTRATIVA
Os casos de corrupção no governo Dilma não são ignorados nem mesmo por ali, em Apiacá. "Eles falam muito, sim. De vez em quando passa na televisão", conta o menino Alejandro, de 13 anos.
Se Apiacá está no interior do Espírito Santo, a comunidade de Sítio do Meio fica bem no interior de Apiacá. No meio do nada, portanto. Ali vive uma grande família que carrega o mais típico sobrenome brasileiro: Silva. Em maio de 2011, a reportagem de A GAZETA, por pura casualidade, fez uma breve, porém marcante parada no humilde lar de pequenos agricultores do município situado no extremo sul do Estado. Na ocasião, a história da família foi contada em matéria especial sobre a miséria no Espírito Santo.
Sim, a família Silva era então um retrato acabado da miséria no Estado (foto ao lado). Vivendo em um dos municípios capixabas com pior Índice de Incidência de Pobreza, eles têm um álbum de recordações marcado por fatores como baixa escolaridade, trabalho informal e mal remunerado, fome, doenças e gravidez precoce. Núcleo do clã e esteio da família, dona Maria Lice (então com 37 anos) teve seis filhos. O mais novo, Mateus (então com seis), de acordo com dados fornecidos pelo Instituto Jones dos Santos Neves (à época comandado por Ana Paula Vescovi), estava praticamente “condenado a ser pobre”.
Pelos critérios de renda, idade, etnia e endereço, o menino se encaixava em todas as categorias de mais alta vulnerabilidade social, o que lhe dava 58% de probabilidade de ser vencido pela pobreza. A título de comparação, uma família chefiada por um homem branco, de 40 anos, vivendo numa metrópole, com educação média e empregado com carteira assinada tinha só 1% de chances.
Mas e hoje, passados quase cinco anos, como será que vivem os Silva? Para responder a essa inquietação, a coluna voltou a Apiacá na última segunda-feira e, com a ajuda do presidente do Sindicato Rural local, Rodrigo Mota, conseguiu localizar a família que simboliza não só a miséria, mas talvez o próprio Brasil.
De pronto, algumas mudanças sobressaem. Matriarca do clã, a avó de Mateus, dona Maria, contava 78 anos em 2011 e já lutava contra um diabetes. Agora desfalca a fotografia. Há cerca de um ano, não resistiu à doença e despediu-se de uma vida de fome e privações.
Como mandam as regras da vida, enquanto a avó faleceu, chegaram mais bisnetos que ela não pôde conhecer: aos 17, Suelen, uma das filhas de Maria Lice, já é casada e mãe de dois filhos: Maria Isabella (um ano) e Luiz Octávio (três meses).
Já os filhos menores de Maria Lice seguem crescendo. Nosso Mateus, como se derrete a mãe cheia de orgulho, “tá um rapagão agora”. Encontramos o menino montando sua bicicleta na casa de um amigo. Tímido, mas sorridente. Feliz.
Afora isso, pouquíssimas diferenças no quadro, ainda emoldurado pelo mesmo casebre que se equilibra sabe-se lá como às margens de uma estradinha de terra batida (e que não pertence à família, mas ao proprietário do terreno). E a luta pela subsistência continua a mesma.
Durante os períodos de colheita, Maria Lice, juntamente com o marido, vai trabalhar como diarista na “panha de café”, em propriedades rurais de terceiros. Atualmente, no período de entressafra, ela presta serviços domésticos em “casa de família” – precisamente, na fazenda de um casal de conhecidos (a patroa é madrinha de uma das netas dela, algo ainda muito típico no interior). É lá que a reencontramos: “Onde tiver serviço, tô trabalhando.”
Em média, somando todos os pequenos serviços, Maria Lice tira cerca de R$ 250,00 por semana, ou R$ 1 mil por mês, o que a torna a principal provedora do lar. Juntando com a contribuição do marido – que, no momento, ganha cerca de
R$ 400,00 por mês cuidando do gado leiteiro em outra propriedade –, a renda média domiciliar é de R$ 1,4 mil. Com os R$ 120,00 que Maria Lice ganha hoje pelo Bolsa-Família, por causa dos três filhos em idade escolar e devidamente matriculados, a renda média per capita da família de sete pessoas é de R$ 215,00 por mês. Logicamente, muito pouco.
O Bolsa Família, aliás, é um tópico à parte da conversa. O benefício, segundo ela, tem muito valor para os Silva. “Ajuda a comprar um remédio pra um criança, a pagar a conta de luz (R$ 250,00 por mês). A energia subiu demais, Nossa Senhora. Tá tudo tão caro! Se desse uma melhorada era tão bom”, sonha ela, que teve este ano uma surpresa possivelmente decorrente dos muitos cortes feitos em 2015 em programas sociais do governo.
“No começo, eu ganhava uns R$ 230,00 por mês. Agora, faz poucos meses, cortaram pra R$ 120,00. Não explicaram nada. Meteram o sarrafo e pronto. O pessoal ficou bravo. É triste, Nossa Senhora... principalmente quem é pobre”, diz a chefe da família, que, apesar de tudo, considera-se “remediada”. “Graças a Deus dá pra levar. Antes era pior.”
Para proporcionar um futuro melhor para os filhos, Maria Lice, mesmo com a renda tão baixa, nem sequer cogita tirá-los da escola. “Ai, ai... Ativo tanto eles a estudar...”, diz a mãe coruja, que soube o que é passar fome quando morou no Rio com os pais. “Não quero que eles passem o que eu tive que passar.”
Os meninos fazem por onde. Dizem gostar de estudar. O segundo mais novo, Alejandro (o maiorzinho nas fotos), hoje tem 13 anos. Aos oito, quando o conhecemos, tinha o cabelo cortado à Neymar. Mas diz que futebol nem é seu principal passatempo. Gosta mesmo é dos joguinhos no celular. “Mas primeiro faço o dever de casa”, ressalva ele, que acaba de passar para o 7º ano na escola estadual de ensino fundamental de Apiacá.
O que Alejandro quer ser quando crescer? “Ainda estou pensando. Acho que vou fazer um curso pra ir trabalhar na Petrobras”, responde o adolescente, que obviamente ignora a ironia involuntária da resposta, em pleno ano do petrolão.
Assim se encontram os Silva de Apiacá. Apesar de todos os pesares, ao contrário do que se possa imaginar, Maria Lice ainda dá lição de vida na virada deste ano dificílimo para os brasileiros. “Sou muito feliz com a minha vida. Pode ter tristeza, pode não ter. Não adianta levar a vida com tristeza. Tem gente pior que a gente”, afirma a lavradora, com a fé e o otimismo renovados. “Tomara Deus que o ano que vem vai ser melhor pra gente viver e criar os nossos filhos.”

Gazeta Online

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