Nos 2.645 dias em que foi governador do Rio, o presidiário Sérgio de Oliveira Cabral Santos Filho, dia sim, dia não, praticou um ato criminoso. Cabral, segundo as denúncias do Ministério Público Federal, descritas em 16 processos, cometeu 1.494 crimes, o correspondente, em dias, a quatro anos ou 56% do tempo em que esteve à frente do Executivo Fluminense (janeiro de 2007 a março de 2014).
Foram 312 atos de lavagem de ativos, 275 de lavagem de dinheiro, 68 crimes de evasão de divisas e 719 de corrupção passiva, além de quatro fraudes de licitação, um crime contra a ordem econômica e um por formação de quadrilha (ou organização criminosa). Na última sexta-feira, Sérgio Cabral completou um ano dos 72 anos de pena de reclusão a que foi condenado em apenas três processos.
Quando foi preso, muitos apostavam que ele não passaria o Natal na cadeia. Mas não foi isso que aconteceu. A Operação Calicute, o desdobramento da Lava Jato no Rio, resultou em uma série de ações a partir de documentos apreendidos e da colaboração de delatores que, por sua vez, foram se desdobrando e formando o maior conjunto de provas contra apenas um réu. Quando a Calicute foi deflagrada, o foco da investigação era a corrupção no setor de obras. Mas uma conversa interceptada entre Fanny Regina da Silva Maia, tia de Adriana Ancelmo (mulher de Cabral), e seu marido, Pedro Henrique da Silva Maia, logo após a prisão do ex-governador, indicava que isso era apenas o fio da meada. “Se mexerem com a Saúde é que vai ser”.
O MPF e a Polícia Federal mexeram não só na Saúde, mas também nos Transportes e vieram as operações Eficiência, Mascate, Hic et Ubique, Saqueador, Fatura Exposta, Tolypeutes e a Ponto Final. Em todas elas, o nome de Cabral surgia como líder do organização criminosa.
Mas, Cabral não colecionou apenas derrotas nesse período e mostrou que ainda tem um enorme prestígio. Em maio, a Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) reformou uma cadeia e equipou com os confortáveis colchões que serviram aos atletas olímpicos, para abrigar o ex-governador e seus cúmplices. Até mesmo uma cinemateca estava sendo montada na prisão, mas o mimo foi frustrado por denúncias de fraude na doação dos equipamentos.
Cabral também confrontou o juiz federal Marcelo Bretas durante audiência, fazendo, inclusive, citações à família do magistrado. Por causa do episódio, a Justiça Federal determinou a transferência de Cabral para um presídio federal. Porém, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF) impediu a transferência, mantendo Cabral no seu reduto, em Benfica.
Cabral tem 72 anos de prisão em três processos
A primeira condenação de Sérgio Cabral foi em junho de 2017. O juiz Sérgio Moro, de Curitiba, sentenciou Cabral a 14 anos e 2 meses de reclusão, por recebimento de R$2,7 milhões em propina da Andrade Gutierrez, para que a construtora assinasse contrato de terraplanagem do Comperj.
Por cobrar 5% de propina da Andrade Gutierrez, além da “taxa de oxigênio” de 1%, em troca da concessão de obras e serviços como expansão do metrô; reforma do Maracanã; construção do Mergulhão de Caxias; urbanização do Complexo de Manguinhos e a construção do Arco Metropolitano, o juiz Marcelo Bretas condenou Cabral, em setembro, a 45 anos e 2 meses de prisão.
Cabral foi condenado pela terceira vez em outubro, a 13 anos de prisão, pelo juiz Bretas, por lavagem de ativos.
O outro lado
O advogado de Cabral, Rodrigo Roca, disse que a denúncia é uma versão. “É preciso que se entenda que uma denúncia é uma versão. Ela é tão plausível quanto qualquer tese defensiva. Prova disso é que as denúncias são julgadas quase todos os dias improcedentes. Muitas delas (denúncias) são feitas sem qualquer fundamento. Senão não seriam julgadas improcedentes. O mesmo são feitos com as peças da defesa. As defesas postulam, pedem absolvição e por vezes não são atendidas. Não é porque está em uma denúncia que é verdadeiro. Pelo menos não necessariamente verdadeiro. Assim como não é porque está em uma peça de defesa que é verdade. É uma postulação. A postulação é feita sobre fatos, pelo menos devia ser feita sobre fatos, e que são fatos interpretados, defesa e acusação cada um interpreta de uma forma. Não há nada para se impressionar no fato de uma imputação ser feita”, relatou Roca.
Em relação aos números, ele foi taxativo. “Isso é um cálculo que o Ministério Público Federal fez por sua conta e risco. Na suposta corrupção, pegaram um valor, que na versão acusatória teria sido quitado em parcelas, e entenderam que cada uma dessas parcelas era um crime autônomo, ai chegou a essa conta absurda. Evidentemente que isso é errado. É evidente que uma compra parcelada, fazendo um paralelo, não vai modificar o valor. O valor é um só. O objeto adquirido é um só. Se eu parcelo em várias vezes não aumenta ou diminui o valor final. Na tese acusatória, ainda que fosse verdadeiro a existência do crime de corrupção, ela não teria sido dessa monta, muito menos nesses números que não tem nem adjetivos para te nominar essa conduta. Isso é uma conta deles. Dai a isso ser verdade, vai ter que enfrentar dois pressupostos: primeiro vai de ser provado que teve crime de corrupção, e segundo, que esse crime de corrupção que não foi um só desmembrado em vários atos, e sim, foram várias condutas, ou seja, vários crimes. Isso é um absurdo. Isso é insustentável. É uma tese que se destrói pelo seu próprio eixo”, disse.
O Dia/Campos 24 Horas