Carlinhos (nome fictício) sempre voltava à escola depois de ter se formado numa unidade estadual em Itaboraí. No entanto, o motivo não era nada nobre: ele vendia drogas para jovens dentro de sala de aula. Os professores praticamente não podiam fazer nada, apenas apelar pela boa vontade do jovem. Ligado ao tráfico local, todos tinham medo de repreendê-lo. A situação acabou de forma trágica: o menino foi morto assassinado por um bando rival que tomou o controle de drogas na região e proibiu o comércio dentro do colégio. Como este, há cerca de cem unidades da rede estadual de Educação que estão em áreas de risco. Isso significa uma a cada 12 unidades do Rio.
— Uma vez ele disse para outro estudante: “ó, sua parada tá lá embaixo”. E completou para a professora: “não bota falta para ele, não” — contou um educador do local, que rebateu: — Ela disse: “Você está maluco? Dentro da sala, não”. Sempre num tom conciliador, sem enfrentar, porque todo mundo tinha medo.
A entrada do tráfico de drogas nas escolas e os tiroteios no entorno de unidades são desafios que a nova gestão do estado terá que enfrentar. O novo secretário estadual de Educação, Pedro Fernandes, chegou a afirmar que pensava em tirar escolas de áreas de risco. No entanto, depois afirmou que se tratava apenas de uma unidade específica. Segundo ele, não haverá a retirada de unidades de suas regiões de origem. “ A mudança não será geográfica, e sim de infraestrutura, quando necessária, e será avaliada com a comunidade escolar”, informou, em nota.
A coordenadora geral do Sindicato estadual de Profissionais da Educação (Sepe), Izabel Costa, afirmou que a retirada de escolas nessas áreas seria um paliativo e não resolvem o problema.
— Seria apenas um paliativo. Tira o prédio, mas o deslocamento continua prejudicado. Quando tem tiros na comunidade, o menino não pode ir do mesmo jeito para a escola, o que aumentaria o número de faltas — aponta.
Enquanto isso, os professores, apavorados, vão abandonando essas unidades. Nelson Moreira, de 53 anos, era apaixonado pelos alunos do Ciep Palhaço Carequinha, em Campo Novo, em São Gonçalo. Lá ele montou um laboratório de Química, disciplina que leciona, com recursos próprios e montou um grupo de teatro científico — a última peça que montou foi sobre Antoine Lavoisier, importante químico do século 19. Mas todo o seu trabalho foi ferido de morte: em 2014, a violência chegou a níveis insuperáveis e ele abandonou. Literalmente. Sem conseguir a transferência, deixou o emprego.
— Os colegas estavam saindo e a gente combinou de acabar o ano. Mas não me deram a transferência. Eu, então, não voltei mais e desde 2014 tentou voltar, mas o processo não anda — reclama o professor, que agora só atua na rede privada: — A minha intenção nunca foi abandonar. A minha formação é toda em universidade de graça. Dar aulas na rede pública é uma forma de retribuir a minha formação. Eu gostava muito de fazer, de ajudar essas crianças. Quero ainda fazer, mas num lugar onde eu possa realizar.
Nelson lembra que não via armas quando chegou à escola, em 2009. Com o tempo, viu chegar as pistolas e depois os fuzis. Uma diretora foi ameaçada de morte, acusada de ajudar a polícia. Um professor foi confundido com PM e teve um fuzil apontado para o rosto.
— Eu ia tremendo, em pânico, para a escola — lembra, indignado: — Para chegar de manhã, eu passava pela barreira do tráfico. Eles falavam: “o professor é família CV”. Agora você vê: eu era família CV.
Cláudia Costin, ex-secretária municipal de Educação do Rio de Janeiro, na qual criou um projeto que conseguiu diminuir a defasagem de aprendizagem de escolas em áreas de risco, defende pagar melhor os professores que dão aulas nestes espaços para manter os melhores profissionais.
— É preciso dar mais para escolas que precisam mais. Outros estados do país, como o Maranhão, estão colocando as melhores escolas justamente nestas áreas — avalia a especialista.
Já Maria do Pilar, ex-secretária de Educação Básica do Ministério da Educação, afirmou que o estado não pode criar mais dificuldades ao estudante, como aumentar a distância que o aluno deve percorrer até a escola.
— A comunidade deve se aproximar da escola. Tem um provérbio africano que diz: “É preciso todo uma aldeia para educar a criança”. Não é separando a criança da comunidade que vai ajudar. O problema é a extrema violência e as condições precárias de trabalho dos professores — avalia.
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