RIO - Na luta diária em leitos de UTI Covid-19 pelo Brasil, profissionais da saúde são postos à prova para garantir que os pacientes integrem a estatística dos recuperados, aqueles que vivem para contar a história. Apenas 20% dos pacientes intubados com Covid-19 no Brasil sobrevivem à doença, aponta levantamento feito em março pela Universidade de São Paulo (USP) com base em dados do Ministério da Saúde. Os sobreviventes sentem na pele a sorte de “nascer de novo”:
— Os médicos consideraram um milagre, porque eu tinha 80% do pulmão comprometido, e geralmente, para quem chega nesse estágio, não tem volta — conta a engenheira Solange Grilo, de 51 anos.
Intubada por sete dias no Hospital São Lucas, na Zona Sul do Rio, Solange foi recebida com festa quando teve alta do hospital, em 2 de dezembro de 2020. E, embora a vida não tenha voltado completamente ao normal, por conta de sequelas da intubação, desde o momento em que respirou fora do hospital, passou a ver sua existência de outra forma.
— A vida é um sopro, e eu tento viver um dia de cada vez. Hoje, não me estresso mais como me estressava, não levo tudo a ferro e fogo. Eu me doo no meu trabalho, mas preciso também de qualidade de vida, estar com as pessoas que eu amo, porque tudo pode acabar em muito pouco tempo — afirma.
O estado de êxtase após receberem alta, a mudança no comportamento dos pacientes com Covid-19 não é permanente, segundo o psicanalista Carlos Mario Alvarez. Ele explica que, ao entrarem em contato com a vida cotidiana novamente, essa sensação de mudança se reduz, mas ainda representa uma marca definitiva na vida:
— Elas são levadas a um estado de hiperconexão, e acabam abandonando as suas defesas mais egoístas e conhecendo o limite entre vida e morte, e isso dá uma sensação para além da consciência do dia a dia.
"Comemoração veio em dobro"
O representante comercial aposentado Roberto Bello, de 64 anos, contou a sua história:
— Passei 50 dias internado e 11 dias intubado no Hospital Pasteur, no Méier. Eu dei entrada lá no dia 13 de fevereiro, sábado de carnaval, porque eu estava com baixa saturação no sangue e princípio de falta de ar. Só recebi alta no dia 3 de abril e passei a enxergar a vida de forma diferente. Antes, eu já dava valor a todos perto de mim, mas agora eu agradeço muito mais a Deus. O meu aniversário é no dia 11 de maio, e eu brinco com meus amigos e família que que, neste ano, a comemoração veio em dobro: por completar 64 anos e por ter superado a Covid-19. Agora, eu tenho um grande sonho: voltar às rodas de samba. Quando tudo isso passar, uma das coisas que eu mais quero fazer é voltar para a minha roda de samba na Glória e viajar para Cabo Frio. Mas o que mais quero é voltar a ver as pessoas, abraçar.
Altruísmo, uma consequência positiva do vírus
Entre os pacientes que sobreviveram à forma grave da doença, o psicanalista Carlos Mario Alvarez diz que um comportamento comum é o apego a atitudes mais altruístas.
A engenheira Solange Grilo conta que que agora não abre mão das coisas pequenas, como dizer todos os dias ao filho que o ama e agradecer por mais um dia de vida:
— Todos os dias quando acordo, agradeço a Deus por mais um dia de vida. O relacionamento, a empatia, o cuidado com as pessoas estão muito mais aflorados.
Ainda em recuperação de sequelas, ela reforça o alerta para que as pessoas entendam a gravidade da doença, que “mata e muito rápido”. Agora, ela valoriza ainda mais o tempo com a família.
O aposentado Roberto Bello, que também é um sobrevivente, diz que agradece e valoriza ainda mais quem está ao seu lado. E reforça cuidados importantes na pandemia:
— Eu sempre falo para as pessoas ficarem longe de aglomeração. Se passassem pelo que eu passei, não faria.
Extra
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