É preciso rever o pacto federativo
Guerino Zanon | Prefeito de Linhares e presidente da Associação dos Municípios do ES
O debate que se instituiu em torno da fusão de pequenos municípios deve ser tratado com muita cautela e responsabilidade, pois carrega consigo o futuro de milhões de pessoas, não só aqui no Espírito Santo, mas em todo o Brasil. Às vezes, com tanta informação a ser processada, esquecemos de analisar a situação sob a ótica do que realmente importa: o serviço de qualidade prestado ao cidadão.
Pressionados pelas crises econômica e política, as três esferas de governo, e não só os municípios, têm encontrado muita dificuldade para manter, em quantidade e qualidade, a estrutura de serviços necessários ao bem-estar da população. Isso afeta diretamente a percepção dos cidadãos!
Mas pergunte a quem vive em um município recentemente criado em nosso Estado como era a realidade antes e depois da emancipação? Certamente ele vai primeiro reclamar do presente, mas vai recordar como era mais difícil o acesso aos serviços básicos antigamente. E isso tem lógica: quanto mais próximo da demanda estiver a estrutura decisória e também a operacional que lhe responde, maior a probabilidade de um atendimento eficiente e eficaz.
A Constituição de 1988 transferiu ao poder central a maior parte da competência para arrecadar tributos, mas transferiu (e continua transferindo até hoje) aos municípios o ônus da prestação dos serviços aos cidadãos. Em 2016, enquanto a União e os Estados ficaram com cerca de 80% da receita tributária disponível, aos municípios coube os 20% restantes para fazer frente às demandas cada vez maiores. É necessário e urgente que este modelo de pacto federativo seja revisto.
Muito se falou, por exemplo, sobre a economia que a fusão de Câmaras Municipais poderia acarretar. Porém, ao analisarmos a legislação, veremos que esta não constitui uma relação direta de causa e efeito, pois existe um limite de gastos para o legislativo vinculado à receita tributária e às transferências recebidas pelo município (C.F., art 29-A), e não ao número de vereadores ou à estrutura do poder.
A todo benefício está associado um custo. O que não se pode admitir é que o segundo seja maior que o primeiro. E é justamente nesse ponto que precisamos evoluir mais rapidamente.
As ferramentas disponibilizadas pela tecnologia da informação nos trouxeram uma maior capacidade de análise, permitindo avaliar cada situação específica com maior precisão. Auxiliada por esta mesma tecnologia e alicerçada em novas exigências legais, o nível de transparência exigido dos administradores do dinheiro público vem aumentando a cada dia.
Com isso, melhoram também as bases para uma participação mais efetiva da sociedade na definição e execução das políticas públicas e seu monitoramento, essa sim, a meu ver, condição imprescindível para alcançarmos um país melhor.
Por que é necessário existir?
Sergio Aboudib | Presidente do Tribunal de Contas do Espírito Santo
Durante anos, pensava-se que a criação de Estados e municípios era uma questão de status, de poder. Com o passar do tempo, a crise econômica e a ausência de sustentabilidade mostram como algumas estruturas estão pesadas e não se sustentam mais. A missão do Estado, da administração pública, é melhorar a vida do cidadão. Mas quando percebe-se que o serviço público de qualidade está inviabilizado, é preciso questionar: por que manter essa estrutura? A realidade está imposta. Vivemos uma crise de valores morais e éticos, uma imensa corrupção, e o Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo (TCE-ES) não vai flexibilizar as exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Esta discussão vale, inclusive, para a existência dos órgãos de controle externo. São as mesmas regras. O Tribunal idealizou e viabilizou produtos (ferramentas), que justificam a sua existência. É o caso do CidadES e do Painel de Controle, que colocam nossa Corte de Contas no rumo certo. O CidadES – Controle Social divulga informações fiscais e econômicas dos municípios, e o Painel de Controle consolida e publica tempestivamente informações da gestão orçamentária e financeira do Estado, permitindo a indicação antecipada de medidas corretivas.
Para justificar a sua existência, o TCE-ES trabalha norteado em sustentabilidade, transparência e foco em resultados. Uma de nossas preocupações centrais atualmente é a situação previdenciária do Estado e de municípios que tenham os seus regimes próprios de aposentadoria. A gravidade da conjuntura do sistema previdenciário é alarmante. Tanto que criamos uma Secretaria de Previdência, que ajudou a prover o relatório do conselheiro Domingos Taufner sobre a prestação de contas do governador Paulo Hartung, referente ao exercício de 2016. Faz-se necessário também um estudo para avaliar se uma eventual redução no número de municípios contribuiria para o equilíbrio das finanças municipais. Não compete ao TCE-ES dizer se deve extinguir ou fundir cidades. Mas, considerando a conjuntura, é uma proposta que tem que ser discutida. Existem municípios onde as receitas são muito baixas, resultando uma complexidade na gestão municipal por falta de recursos.
O fato é que o custo fixo por município, a exemplo da despesa com pessoal, está se tornando muito alto em relação à quantidade de recursos que o município arrecada. No final das contas, está faltando dinheiro para o município se manter. Os números estão aí. É um tema para se debater. Ninguém vai sobreviver sem explicar para o cidadão porque é necessário existir.
Gazeta online