“EU PODIA FAZER ALGUMA COISA NAQUELE JULGAMENTO? NÃO. NÃO PODIA, PORQUE FOI UMA COISA PESSOAL”, DIZ A OFICIAL QUATRO ANOS DEPOIS
Um vídeo com áudio obtido com exclusividade pelo Blog do Elimar Côrtes comprova o quanto podem ser autoritários, viciados e até carregados de fraudes alguns processos administrativos da Polícia Militar do Espírito Santo. Uma das vítimas é Jorge Barbosa Filho, expulso da PM em abril de 2013 com base em provas forjadas dentro de um Conselho Disciplinar. O vídeo, em que a história vem à tona, mostra Barbosa conversando com uma major, na porta do Hospital Meridional, em Alto Laje, Cariacica, no dia 5 de março deste ano.
Na gravação, a oficial revela que Barbosa foi vítima de um complô montado dentro da Corregedoria Geral da PM por um dos oficiais – na época um capitão – responsáveis por seu Processo Administrativo Disciplina (PAD). A major era a presidente do Conselho de Disciplina (CD); e o capitão, era o interrogante-relator. Havia ainda um escrivão, que nada tem a ver com a farsa.
A farsa montada pelo capitão, com a omissão da major, tinha o objetivo de atingir o coronel Edmilson dos Santos, ex-comandante-geral da PM e que havia transferido esse mesmo capitão da Diretoria de Inteligência (Dint) para outro setor. O soldado Barbosa era amigo do coronel Edmilson. Portanto, prejudicando o soldado, o capitão acreditava estar atingindo Edmilson dos Santos.
Outro personagem da história, embora não tenha sido o responsável direto pela farsa, foi o ex-comandante-geral e hoje empresário do ramo de segurança privada, o coronel RR Ronalt William. A entrada dele na história se deu porque Barbosa havia sido designado para atuar em Missão Especial no Núcleo de Repressão às Organizações Criminosas (Nuroc), da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Nuroc).
O coronel William acreditava que Barbosa teria participado de uma investigação contra ele (William). O coronel William havia sido flagrado pelo Nuroc em conversas telefônicos negociando venda de munição da PM para um ex-soldado, expulso da PM por ligação com o tráfico de drogas. Ronalt William foi denunciado pelo Ministério Público e absolvido pela Justiça.
Assim que assumiu o cargo de comandante-geral da PM, o coronel William trocou a formação do Conselho de Disciplina que já havia sido instaurado em desfavor de Barbosa, colocando lá dois oficiais (a major, inclusive, e o capitão-relator do CD) que ele poderia influenciar. Foi o então comandante William quem assinou a exclusão do soldado Jorge Barbosa.
MESMO ABSOLVIDO PELA JUSTIÇA, BARBOSA FOI EXCLUÍDO PELA PMO drama de Barbosa e sua família começou em outubro de 2008, quando ele e um grupo de pessoas acusadas de tráfico – incluindo outros militares – foram alvo da Operação Êxodo, realizada pelo Ministério Público Estadual em parceria com a Corregedoria da Polícia Militar. A Corregedoria da PM pediu a prisão de Barbosa, mas a Justiça negou por falta de provas. Posteriormente, o próprio Ministério Público reconheceu a inocência do então soldado Barbosa e pediu a sua absolvição.
Em 12 de dezembro de 2012, o juiz Pedro Benedito Alves Sant’Ana, da 4ª Vara Criminal de Vitória, proferiu a sentença nos autos de número 0017144-67.2010.8.08.0024, confirmando a absolvição de Barbosa nas três acusações imputadas, inicialmente, a ele pela Corregedoria da PM: Constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão com a finalidade de praticar qualquer dos crimes previstos no CPB; Realizar interceptação de comunicações telefônicas, de informática ou telemática, ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com objetivos não autorizados em lei; e por formação de quadrilha. Não havia, portanto, no processo nenhuma prova contra o soldado Barbosa.
Mesmo diante da absolvição na Justiça Criminal, a Corregedoria da PM prosseguiu com o Processo Administrativo Disciplina (PAD) contra o soldado Barbosa e, em abril de 2013, publicou a solução do caso, opinando por sua exclusão da PMES. O ato da exclusão foi publicado no Boletim Geral da PM de nº 013, em 27 de março de 2013 e homologado pelo então comandante-geral da corporação, coronel Ronalt Willian.
EX-SOLDADO E SUA ALGOZ SE REENCONTRAM NA PORTA DE HOSPITAL
No dia 5 de março de 2017, o destino colocou de novo o soldado Barbosa diante de um de seus carrascos: a agora major, que presidiu o Conselho de Disciplina (CD) que determinou a sua expulsão. Na época, a major era capitã, assim como o outro oficial, responsável pela relatoria do CD.
A major, atualmente, está lotada no Regimento de Polícia Montada; e seu parceiro, que continua ainda capitão, voltou para a Corregedoria Geral da PM. A major é da Turma de Aspirantes de 1997, enquanto o capitão da turma de 1998.
TRECHOS DO VÍDEO - vídeo mostra Barbosa perguntando à major o motivo pelo qual ela o prejudicou no Processo Disciplinar. Ela, então, responde que “tenho certeza que não te prejudique, apenas presidi o processo”.
Barbosa diz que na época do processo a então capitã comentou que não havia problema algum contra ele, pois o problema era com um outro soldado, também expulso e condenado por conta da mesma Operação Êxodo.
A major responde que, de fato, falou que não havia nada contra Barbosa, que, por sua, completou: “A senhora se lembra quando havia dito para o coronel Edmilson que não existia nada contra mim?”. Diante da indagação do ex-soldado, a oficial desconversa.
A major começa, então, a confessar a armação: “Barbosa, você tem noção de quem juntou provas contra você? Quem pegou documentação no Nuroc contra você? Quem pegou autorização no Ministério Público contra você?”.
Ele responde: “Que provas? Até hoje não vi nenhuma prova contra mim. Tanto que fui absolvido a pedido do próprio Ministério Público”.
Barbosa insiste: “Major, me fala uma prova que foi apresentada contra mim”. Ela responde: “Não sou obrigada a ficar discutindo processo com você na frente de hospital, e também não sou obrigada a ficar ouvindo você me acusando”. Barbosa retruca: “Não estou lhe acusando, major; só estou perguntando”.
Mais adiante, a major diz que não deve satisfação ao ex-soldado e ele pondera: “Claro que não, só estou tirando uma conclusão do que a senhora fez comigo”.
MAJOR FALA EM CONSTRANGIMENTO NA PORTA DE HOSPITAL E RECEBE RESPOSTA INDIGNADA DO EX-SOLDADO
Em outro momento do vídeo, a major diz para o ex-soldado que está passando por constrangimento por estar sendo questionada por ele na porta de um hospital. Barbosa responde:
“Constrangimento? Constrangimento é o que eu estou passando há cinco anos, quando a senhora me colocou pra fora da polícia e jogou nas minhas costas uma fama de traficante por uma coisa que nunca fui e nunca fiz. Isso que é constrangimento, major! Isso é constrangimento, pois eu vivi pra polícia e nunca me misturei com vagabundo, nunca me misturei com traficante e nunca fui traficante. A senhora me colocou pra fora da polícia com essa sina, a senhora acabou com a minha carreira militar, acabou com minha saúde...Eu não estou constrangendo a senhora, nem estou sendo abusado com a senhora. Nada disso, não! Só estou expondo isso. A senhora disse dentro da Corregedoria que o problema não era eu”.
Neste ponto, a major abre o jogo e cita o capitão que fez de tudo para incriminar Barbosa, inclusive juntando provas falsas para induzir o Ministério Público e a Justiça ao erro:
“Barbosa, eu disse e confirmei até o final. É por isso que eu fico chateada com você. Jorge Barbosa, tinha um capitão que trabalhava comigo (na Corregedoria) que fez e juntou tudo... Pois é...Sabe do capitão que trabalhava comigo?”
Após esse trecho do vídeo, a major chama Barbosa para conversar com ele em outro ponto do hospital, longe de mais pessoas. Barbosa concorda e diz: “Eu gostaria ate que a senhora entendesse a minha indignação. Eu não tenho mais saúde.. Eu dediquei a minha vida à Polícia Militar”.
A major diz: Você lembra que ate o final do processo a gente conversou muito, muito?...Só que você (Barbosa) tem que entender o seguinte: vou passar uma situação pra você, que eu gostaria profundamente que você tivesse muita maturidade pra ouvir isso. Quanto à sua questão, é extremamente pessoalista em relação aos ex-comandantes Willian e Edmilson, pois eles eram inimigos declarados”.
Barbosa diz para a major: “Eu não sabia, chefe!. Por que porque isso aconteceu?”.
CAPITÃO TERIA INSERIDO PROVAS FALSAS EM PROCEDIMENTO DO NUROCA
major diz: “Pois é, tem muita coisa. Quando você fala comigo ali e eu fico ouvindo, o menino (capitão) que trabalhava comigo é filho de um coronel que foi da Dint. Quando o capitão percebeu sua ligação com o coronel Edmilson , ele passou a ter sede de você. No final do processo, quando eu falei com você: ‘Jorge, não tem nada’. Eu tinha comentado, no máximo, te dar uma cadeia...E eu fazia de tudo pra não conversar com o coronel Edmilson. Porque? Pra não parecer que eu estava tendo algum tipo de benefício no caso. O que que o capitão faz? Ele conseguiu, com autorização judicial, pegar uma operação que estava tendo no Nuroc”.
Segundo a major, o capitão, então, obteve documentos junto ao Nuroc e anexou “provas falsas” dentro da documentação contra o soldado Barbosa: “Se pegar o processo eu te mostro tudinho. Do jeito que ele (capitão) enfiou as provas lá. Não tinha mais como eu falar...Aquilo ali aconteceu. Então eu quero que você entenda o seguinte: ‘Eu podia fazer alguma coisa naquele julgamento? Não. Não podia, porque foi uma coisa pessoal...”
“CHEGOU UMA HORA QUE AS COISAS FUGIRAM DO MEU CONTROLE”, DIZ MAJOR
De acordo com a major, o capitão tinha problemas pessoais com o coronel Edmilson que, em 2013, antes de assumir o Comando-Geral da PM em substituição ao coronel Ronalt Willian, era diretor de Inteligência da PM (Dint). Edmilson havia dispensado esse capitão e outros oficiais da Dint por “completa preguiça para o trabalho”.
Daí, surgiu o “ódio” do capitão que armou em desfavor do soldado Barbosa contra o coronel Edmilson. Prejudicando Barbosa, que sempre trabalhou na Dint com o coronel Edmilson, o capitão acreditava estar atingindo o coronel também.
A major diz mais: “Eu sempre tive uma consideração, amizade por ele (Edmilson) muito grande. Então, assim...Chegou uma hora que as coisas fugiram do meu controle. Por que ? Por que eu era voto vencido. A questão aí eram três oficiais que julgaram o processo.
A major completa: “Eu falo pra você de coração: Eu sinto muito e gostaria que você entendesse que não foi uma decisão minha. Não foi. O cara (capitão) gastava o tempo dele de folga, Barbosa, para conseguir alguma coisa contra você. A questão dele era extremamente pessoal”.
A major acrescenta: “Mas Jorge, você estava liso no processo. Eu falei isso de início ao final pra você...Pode pegar o processo e olhar a data, o final, foi no final do processo que ele fez . E ele (capitão) fez um documento, quando ele fez o documento que a gente assinou no cartório ele já tinha conseguido as provas...”.
Ela prossegue: “Eu estudei o processo todo, todo. Eu li tudo e eu falava: ‘Sabe qual foi o meu maior erro? Sabe aonde que eu prejudiquei o Barbosa? Que todas as vezes eu falava assim: ‘Com o Jorge (Barbosa) não tem nada não e isso fazia o outro (capitão) ficar... Tinha sede de pegar você. Só que eu só percebi a sede quando ele fez efetivamente o que ele fez”.
A major ainda dá um conselho ao ex-soldado Barbosa: “Você precisa cuidar da sua saúde. Você precisa ver uma situação que pode não ser reversível e sua vida segue, sua família precisa de você , você precisa de se cuidar entendeu? As pessoas que você ama precisam de você...”
Barbosa reage: “O que faz com que você não se acabe, não esqueça é o fato de você não ser o que a pessoa foi pintada, né? Se puxar meu histórico desde quando era garoto , eu nunca me envolvi com droga. Nunca me envolvi com nada disso. Poxa, eu fui excluído na excepcional conduta, eu trabalhei pra caramba...”
IRÔNICA, MAJOR DIZ QUE EX-SOLDADO É UM “PRIVILEGIADO” E SE COLOCA À DISPOSIÇÃO PARA AJUDÁ-LO
A major fala de outro personagem dessa história de cinema americano: “Quem era o comandante-geral na época da sua exclusão?” Barbosa responde: “Foi o Willian (coronel Ronalt William, hoje na Reserva Remunerada”).
A major emenda: “Ele era muito ligado ao coronel (pai do capitão). Tanto é que quando eu fui apresentar o processo ao coronel William, ele já tinha uma ideia fixa já, de exclusão”.
Indignado, Barbosa diz: “Eu perco meu sono e fico pensando: gente, porque estou passando por isso? Eu não mereço passar por isso. Quando você acha que as coisas vão andar...”
A major que ajudou na armação e na fraude processual para acabar com a carreira do soldado Barbosa ainda encontra motivo para dar um conselho ao ex-PM:
“Eu acho assim, que você tem que ter duas vias de frente: lutar, continuar lutando, não deixar de levar sua vida, não deixar de batalhar. Agradecer a Deus que você tem uma esposa que tá te dando todo apoio. Agradecer porque muitas vezes as pessoas passam por situações assim e não têm a quem se agarrar, tenha como reagir. Você é um privilegiado e eu me coloco a disposição do que eu puder fazer para te ajudar”.
Blog do Elimar Côrtes
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