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domingo, 15 de abril de 2018

COMO NÃO GOSTAR DE BOM JESUS?

Como não gostar de Bom Jesus? Do Itabapoana tirávamos aquele peixe bonito - o piau - para enfeitar o nosso almoço. Do mesmo rio, às vezes, a água para o "banho de balde"... Sim... Simples assim. Porque era muito simples a pessoa que preparava o almoço, no "fogão de fita"... No corpo franzino, minha sogra carregava amargura imensurável, pois...
No dia 24/12/1947, véspera de Natal, portanto, o pequeno Nelson saía de casa em direção ao armazém do pai, a poucos metros dali. Não sabia que sua vida estava por um fio... de alta tensão. Despencando de um poste, como um raio atingiu a criança. Num tempo em que a cidade nem contava com rede elétrica comum...
Seis anos depois, quando me casei e fui morar lá, a tragédia era ainda assunto de conversa... E, como era de se esperar, naquela família nunca mais ocorreriam festejos, muito menos comemorações de Natal. Acho que meus filhos se ressentiram disso...
De praxe era morar com os sogros “até o marido se firmar no emprego ou na profissão”... E como tudo era estranho pra mim, tratei de aprender e apreender. A não reivindicar, guardando na memória as advertências: “a vida é luta constante, o organismo ou se adapta ou morre”; ou “amor não é coisa pra macho” e “mulher não precisa ter personalidade, contente-se com a do marido”...
Ouvi, atendi, só não entendi. Dediquei-me aos deveres, já que não era costume reivindicar direitos. Nisso eu era treinada, já que pertencia à “tradicional família mineira”...
Apaixonada como estava, não cogitava ou questionava o amor. Se quisesse, iria ao cinema e veria aquilo que Hollywood exibia nas telas. Em soirée ou matinê...
De amor mesmo, só tomei conhecimento quando me deparei com meus sogros arrulhando no sofá da sala, ela no colo dele... Penso hoje ter sido esse amor o esteio do meu casamento... Outra coisa que fui conhecer em Bom Jesus: o calor... O humano também...
Grandes amigas, grandes amigos, o maior deles, meu sogro! Quando fomos pra Niterói – era de praxe, para os filhos estudarem - correspondíamos através de cartas... De política, do certo ou do errado, surgia o assunto... “Crise – a maior é a de caráter” - dizia ele, quando as coisas desandavam...
Com aquele calor – e a falta de geladeira - aprendi que feijão e leite deveriam ser fervidos de manhã e à noite. Carne, só de porco, enfurnada em latas de gordura. Frutas, apenas banana caturra, como chamavam a nanica... Verduras, plantadas na horta, regadas e colhidas por meu sogro. Mas o cultivo preferido dele – e só ele sabia a hora de colher – era a pinha... Docinha, uma delícia, no ponto...
Uma vez, um vidente me garantiu que eu tenho um guia espiritual - alguém que, “lá de cima”, me dá cobertura... Desconfio dele...
E os termos?! Dois deles me encucaram – “pagarela” e “puaia”... Sem jeito perguntei à sogra o que queriam dizer... “Quando a pessoa exagera nas atitudes, o outro diz que aquilo é pra aparecer, pra galera... O outro termo, puaia- “quando alguém conta, feliz, ter sido elogiado, o outro (malvado!) corta aquele barato”, dizendo: “Comeu puaia, hei?!”...
Mas eu creio que maldade, em Bom Jesus, só essas duas, mesmo... Pelo menos, eu não presenciei outras...

O NORTE FLUMINENSE

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