O poder de comunicação de Jair Bolsonaro, militar reformado do Exército e candidato à Presidência, entre seus milhões de seguidores em redes sociais e grupos de WhatsApp teve seu primeiro grande teste desta pré-campanha nesta segunda-feira. E passou com folga.
A convocação para a entrevista no Roda Viva da TV Cultura, transmitido ontem à noite, já estava nas redes sociais do candidato e seus aliados desde a semana passada. O objetivo estava declarado: bater o recorde de audiência. O programa terminou sua transmissão no canal da emissora no YouTube no pico da audiência com 228 mil pessoas acompanhando a entrevista. Um recorde absoluto na história do Roda Viva, como definiu seu apresentador Ricardo Lessa. Na tevê tradicional, o candidato também teve a maior audiência entre todos os candidatos a presidente entrevistados, segundo dados prévios do Ibope obtidos pelo site Teleguia – que antecipou com precisão os dados preliminares de audiência do programa com os demais entrevistados.
O fenômeno estendeu-se no Twitter e Facebook que foram tomados por posts de apoio, e também de críticas, a Bolsonaro. Nos trending topics mundiais estavam em primeiro lugar as hashtags #BolsonaroNoRodaViva e #RodaViva. No Brasil, os temas discutidos no programa ainda ganharam a lista dos mais citados no Twitter como “Jesus Cristo”, invocado quase no final do Roda Viva pelo colunista do jornal O Globo Bernardo Mello Franco. O jornalista perguntou se o candidato sabia que Jesus era um refugiado. “Você deixa qualquer um entrar na sua casa?”, disse Bolsonaro em referência à sua posição contrária à legislação que permite refugiados no país. “Mitou”, disseram integrantes de grupos de WhatsApp favoráveis a Bolsonaro.
No Facebook, enquanto o programa era transmitido ao vivo, o número de visualizações chegou a 1,5 milhão. Na madrugada, já chegava a 1,8 milhão. O vídeo com a entrevista de Ciro Gomes, do PDT, o segundo candidato com maior audiência até então, tinha até ontem 1 milhão de visualizações, contabilizados desde que o programa com o pedetista foi ao ar, em 28 de maio. No Ibope, Ciro também tinha sido, até então, uma das maiores audiências com 1,1 ponto, o que corresponde a cerca de 220 mil pessoas. Pelas prévias do Teleguia, a entrevista de Bolsonaro terá cerca de 2 pontos. Ele queria chegar à marca de “4 ponto zero” para contrapor à de 0,4 de Geraldo Alckmin, um dos seus principais adversários na corrida eleitoral e que teve baixa audiência no programa.
No YouTube, o “capitão” ultrapassou a marca de Sergio Moro, que até então era o recorde do canal do programa. Com uma hora de entrevista, Bolsonaro já deixava as 130 mil visualizações simultâneas da entrevista do juiz para trás, com 211 mil visualizações. A votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, transmitida ao vivo pelo YouTube no canal do Senado, é o único evento político a alcançar os mesmos números do militar da reserva. Ao final de uma hora e meia de conversa, a entrevista com o presidenciável estava no pico de audiência: 228 mil pessoas viram o candidato dizer que seu livro de cabeceira é A Verdade Sufocada, do ex-chefe do DOI-Codi Carlos Alberto Brilhante Ustra – homenageado por ele justamente no dia da votação do impeachment.
A menção a Jesus gerou repercussões de todo tipo. Desde manifestações de apoiadores de Bolsonaro chamando Bernardo de “boçal” até um tuíte da também candidata Marina Silva que aproveitou o momento para dizer que “Jesus Cristo foi um refugiado e nos ensinou sobre amor, respeito, humildade e compaixão. Jamais sobre tortura, preconceito e ódio”. Bernardo teve seu perfil inundado por admiradores de Bolsonaro que deixaram mais de mil comentários no post que o jornalista tinha feito para dizer que estava embarcando no Rio com destino a São Paulo para participar da bancada do Roda Viva. “Vai pro Uber, Tiozim”, dizia um deles.
O programa ainda estava na metade e outra página no Facebook também estava sendo amplamente visitada, a do jornalista Leonencio Nossa, do jornal O Estado de S. Paulo. O repórter foi bastante incisivo nas questões sobre se Bolsonaro vai promover a abertura dos arquivos da ditadura. O candidato reforçou que isso é passado. “Esquece isso daí. Os papéis com certeza sumiram”, disse o candidato em resposta a Leonencio. A foto de capa da página do jornalista, um retrato de Fidel Castro e Roberto Marinho em referência à biografia que escreveu deste último, chegou a viralizar nas redes sociais e nos grupos de WhatsApp de pró-Bolsonaro. “E já sabemos quem vai ser o esquerdinha babaca”, dizia um. “Vejam o perfil deste cara de pau comunista”, dizia outro.
Se, de um lado os apoiadores de Bolsonaro atacavam os jornalistas nas redes, de outro os críticos também atacavam Bolsonaro. Marcelo Rubens Paiva, escritor e jornalista filho do deputado Rubens Paiva que foi torturado e morto pela ditadura, também se manifestava no Twitter: “Cheguei à conclusão que Bolsonaro não é de extrema-direita, mas de extrema-burrice.”
Em meio ao discurso de apoio aos militares e de que não houve golpe militar em 1964, Bolsonaro reforçou conhecidas posições. Mais uma vez demonstrou sua admiração ao coronel Ustra, declarado torturador pela Justiça mas que, segundo Bolsonaro, não foi ainda condenado em última instância. Sobre seus 28 anos de vida pública não respondeu objetivamente perguntas dos motivos de ter feito pouco pelo Rio de Janeiro, abstendo-se a dizer que é difícil ter apoio do Congresso e reclamou, por exemplo, da não aceitação de projetos seus como o de castração química. Disse que reduziria cotas para negros. E, na Economia, deixará tudo nas mãos de Paulo Guedes de quem ele tem certeza “que não irá se separar”, em resposta à provocação da redatora-chefe da revista Veja, Thaís Oyama sobre quem ficaria no lugar de Guedes em um eventual divórcio. Thaís foi considerada pelos apoiadores de Bolsonaro como “a mais fofinha” da bancada.
Sobre educação e saúde foi pouco questionado. Um dos jornalistas da bancada chegou a fazer um mea-culpa em conversa reservada com a piauí. “Ele estava muito bem preparado para responder sobre questões polêmicas. E acabamos não perguntando sobre educação e saúde, que são pontos que ele parece não saber o que vai fazer”, disse o jornalista.
No quesito saúde, Bolsonaro deu declarações como a de que gestantes não cuidam da saúde bucal ou de que a mortalidade infantil é grande porque nascem muitos prematuros. Em um grupo de WhatsApp, um apoiador chegou a dizer: “só achei um vacilo na hora da questão da saúde, ele se distraiu sobre como cuidar da saúde com menos arrecadação”. Ao que outro respondeu: “Mas isso é uma coisa que me incomoda nele, tenho a impressão que às vezes ele se afoba e perde o foco.” “Já vi muita gente dizendo que ele enrola e não responde. Porque dá essa impressão”, disse um terceiro. No geral, no entanto, os apoiadores deram nota 9 pela participação e ainda se mostraram surpresos pela sua atitude no programa: “O mito está muito bem, vai destruir nos debates.”
A estratégia de usar as redes sociais está sendo reforçada por Bolsonaro, em razão do pouco tempo de televisão que terá durante a propaganda eleitoral. Seu filho, Flávio Bolsonaro, disse em entrevista à piauí que os grupos de WhatsApp são um grande ativo da equipe Bolsonaro. Ele, candidato a senador pelo Rio de Janeiro, faz parte de 2 500 grupos em seu telefone pessoal. Seu pai, segundo ele, faz parte de 4 500 grupos. Juntos eles conseguem transmitir mensagens imediatas para milhões de pessoas. A campanha de Bolsonaro já contratou até um marqueteiro digital, Marcos Carvalho, que estava ontem acompanhando o programa. Marcos diz que uma das estratégias que poderá ser usada é a de convocar pelos 8 segundos de tempo de televisão as pessoas a assistirem seu programa pelo Facebook.
Outra estratégia que está sendo usada na campanha é a de pedir para que as pessoas assistam às transmissões ao vivo de Bolsonaro por meio de um aplicativo chamado Mano. Depois da decisão do Facebook de retirar do ar páginas ligada a movimentos de direita e do MBL na semana passada, a campanha tem receio de ficar refém das redes privadas.
Ao fim do programa, sorridente, indagado pela piauí se houve muita pressão dos jornalistas, Bolsonaro tentou mostrar uma postura à la “Lulinha paz e amor”. Em vez de atacar jornalistas, disse suavemente que eles têm de apertar mesmo. “É papel deles. Tô com paz no coração. A verdade está do nosso lado”, disse ele logo após escolher uma das charges do cartunista Caruso para levar para casa e que dizia: “Eu fui da luta armada do lado de lá.”
Apesar do discurso ameno e dos sorrisos, e de ter mantido calma durante a entrevista, Bolsonaro queria indicar dois jornalistas para a bancada. Nenhum outro candidato tinha encaminhado pedido parecido e a direção do programa não aceitou a demanda. Seguiu-se a decisão prévia da produção de convidar apenas jornalistas dos grandes veículos. Logo na abertura, o apresentador pulou a frase “nosso convidado de hoje não fez qualquer restrição ou exigência com a bancada de entrevistadores” e disse apenas que “os entrevistados foram escolhidos livremente”.
Na maratona televisiva para driblar a falta de tempo na propaganda eleitoral, na medida em que a eleição caminhe, o candidato nem sempre poderá se dar o luxo de vetar entrevistados. A próxima entrevista já está marcada, será na quinta-feira na GloboNews e os chamados na rede social do candidato para dar audiência ao programa já estão sendo feitos.
Piauí/Folha de São Paulo/Uol
Nenhum comentário:
Postar um comentário