A data era 5 de abril de 2020. Naquele domingo, o resultado de exames laboratoriais de uma paciente de 51 anos confirmava a chegada do novo coronavírus a São João da Barra. Em meio às incertezas quanto à doença e diante da necessidade de respostas imediatas, a Prefeitura começava naquele momento a traçar seu maior projeto dentre os muitos colocados em prática no enfrentamento à pandemia: o Hospital de Campanha Covid-19, inaugurado em tempo recorde, no dia 9 de maio.
Àquela altura, 34 dias depois do primeiro teste positivo, São João da Barra já registrava 27 casos da doença, confirmando a rápida aceleração do contágio. Nove pacientes que estavam na sala de isolamento da Santa Casa de Misericórdia foram transferidos para o Hospital de Campanha, o primeiro do Norte Fluminense, montado no Centro de Emergência Dr. Pedro Otávio Enes Barreto, à margem da BR-356, na entrada da cidade. Naquela época ninguém poderia imaginar o tamanho da tragédia que o mundo enfrentaria: hoje são mais de 156 milhões de pessoas infectadas e mais de 3,2 milhões de mortos. No Brasil, que se tornou o epicentro da pandemia no planeta, são mais de 15 milhões de infectados e mais de 420 mil mortos.
Neste domingo o Hospital de Campanha completa um ano de funcionamento. No período, mais de 360 pacientes foram internados. Deste total, 70% saíram recuperados. Uma delas é a babá Adriana de Souza Mendes, 27 anos, moradora de Atafona. Ela ficou internada entre 26 de abril e 2 de maio. Chegou a ir para a UTI, mas por pouco tempo. A maior parte do período de internação foi em um dos 24 leitos clínicos do hospital. Ela lembra que teve medo, que sofreu com dor e falta de ar, mas se sentiu protegida e acolhida.
“O tempo todo tinha alguém da equipe perguntando se eu precisava de alguma coisa, tinha alguém me dando atenção, cuidando de mim. Isso me deu confiança, vi que tudo estava muito limpo, organizado”, conta Adriana, que hoje está em casa recuperada, mas segue mantendo todos os cuidados. “Por mais que o hospital seja muito bom, não é fácil passar por tudo isso. E o que vejo, infelizmente, é muita gente achando que é só uma gripe, que não usa máscara, não respeita nada. Tem que ter consciência, tem que ficar em casa o máximo possível”.
“Todo dia é um enfrentamento novo”
A atenção e o cuidado que Adriana faz questão de destacar são o resultado de um esforço permanente da equipe do hospital, composta por 190 profissionais, para proporcionar um tratamento humanizado aos pacientes. Segundo a enfermeira Keth Miranda, diretora-geral da unidade, há reuniões motivacionais permanentes e acompanhamento com psicólogos. “Todo dia é um enfrentamento novo. A gente se apega aos pacientes e cria a esperança de que consigam sair, mas infelizmente o vírus está mais agressivo e levando muita gente. Isso dá uma tristeza na equipe e aumenta a preocupação também, porque temos família, temos medo de levar o vírus para casa, mas mesmo assim não deixamos nos abater”.
Aos 37 anos de idade, 15 de profissão, Keth está no hospital desde o início. Participou de todas as etapas da implantação e afirma que essa é a experiência mais desafiante da sua vida. “Por mais que a gente tente fazer tudo da melhor forma, são muitas preocupações. Há um desabastecimento nacional de itens e temos que lutar por cada medicamento, pra não deixar faltar nada. Vou dormir e acordo pensando no hospital. Tenho um filho pequeno e sinto medo de passar o vírus para ele, de adoecer os parentes, as pessoas próximas. Mas nem assim a gente desiste” — relata Keth.
A diretora reforça a importância da conscientização das pessoas. “Nosso maior apelo é que respeitem as medidas. Nós abrimos mão de datas comemorativas, de feriados, e vemos as pessoas em festas, nas ruas, em aglomerações, pessoas sem máscara. É frustrante. É como se a gente estivesse enxugando gelo, é brincar com a vida do próximo”.
Na linha de frente
A experiência de atuar na linha de frente também tem sido intensa para o fisioterapeuta Renato Braga, 37 anos, 10 de profissão. Ele é responsável pela reabilitação respiratória e motora dos pacientes e, além do trabalho que desenvolve, tenta passar “afeto, segurança, apoio e confiança”. Renato atua no hospital desde o início e lembra como foi o processo de aceitar o desafio. “Lembro quando a Prefeitura reestruturou o Centro de Emergência, fazendo com que virasse um grande hospital de campanha, e fui chamado pra fazer parte da equipe de fisioterapia. Todos estavam com muito medo, mas recordei do meu juramento com a profissão e pedi orientação, sabedoria e capacitação a Deus, e segui minha nova caminhada”.
Renato teve Covid e precisou ficar afastado por alguns dias. Teve medo de morrer, de adoecer os familiares, mas venceu o vírus e retornou ao trabalho. “Em um ano de hospital me vejo outra pessoa, outro ser humano, porque a doença nos ensinou a amar mais, cuidar mais, a viver melhor”.
Desistir também não foi uma opção considerada em nenhum momento pela enfermeira Ingrid Vidal Lopes, 39 anos, quase 20 de profissão. Ela teve Covid no final do ano passado e pela primeira vez, em um ano atuando no Hospital de Campanha, precisou se afastar por 15 dias. Apesar do medo, o tempo todo sabia que voltaria à linha de frente. “Alguém tem que estar lá para cuidar das pessoas”. Para Ingrid a experiência também tem sido desafiadora. “É muito triste perder pessoas conhecidas. O paciente nos olha pede ajuda, pede para não intubar, isso mexe muito com a gente. Mas abracei a causa, rompendo medos, seguindo em frente”.
Gratidão aos profissionais de saúde
Morador de Donana, distrito de Campos, o auxiliar de escritório Gilnei Alvarenga Pinheiro, 54, tem casa de veraneio em Atafona. E foi em uma de suas visitas à praia, no dia 11 de abril, que precisou ser atendido no Centro de Triagem, que funciona no Posto de Saúde Félix de Sá. Estabilizado, exames feitos, foi transferido para o Hospital de Campanha, onde ficou quatro dias internado em leito clínico. Quatro dias antes de passar mal Gilnei tinha perdido sua mãe para a Covid. Ela tinha 74 anos e estava internada na Beneficência Portuguesa. Já recuperado e em casa, ele agora torce pela recuperação do seu irmão, um ano mais novo, que está internado na UTI de um hospital particular de Campos e precisou ser intubado.
“Não tem sido fácil. Minha mãe faleceu na noite em que eu estava com ela no hospital. Poucos dias depois meu irmão foi internado e eu também. E não tenho palavras para descrever o quanto sou grato aos profissionais do Centro de Triagem e do Hospital de Campanha por tudo o que fizeram por mim, pelo cuidado, dedicação e carinho”.
Desafio cumprido
Para absorver toda a demanda do município, que hoje soma 3.701 casos da doença e 112 óbitos, o Hospital de Campanha possui 42 leitos, sendo 18 de UTI e 24 clínicos, podendo variar de acordo com a necessidade, já que o espaço físico e a estrutura permitem a ativação de mais leitos. Há também salas de estabilização, isolamento e radiografia, além de farmácia, túnel de desinfecção, e de equipamentos como central de oxigênio, sistema de refrigeração e gerador.
Montar um hospital de excelência em poucas semanas foi um desafio, como lembra a prefeita Carla Machado. “Não sabíamos ainda o que iríamos enfrentar exatamente, ninguém no mundo sabia, mas já tínhamos o entendimento de que era importante nos prepararmos adequadamente para cuidar da nossa população, que se tratava de uma pandemia, de algo muito sério, e trabalhamos duro para montarmos essa estrutura, ao mesmo tempo em que atuávamos em várias outras frentes para prevenir e combater a Covid-19. Ainda vivemos tempos difíceis, mas sabemos o quanto é importante termos um hospital capaz de oferecer ao povo todos os cuidados necessários para tratar dessa grave doença”.
Humanização
O hospital realiza um trabalho humanizado com visita presencial de familiares, que é feita seguindo todos os protocolos de prevenção para a segurança de pacientes, dos próprios familiares e dos profissionais do hospital. Também são feitas chamadas por vídeo entre e a família. A iniciativa tem resultado em melhora do quadro psicológico e, consequentemente, do quadro clínico geral.
Outro trabalho desenvolvido na humanização e tem contribuído para amenizar o sofrimento dos familiares e amigos dos sanjoanenses que perderam a batalha contra a doença é o protocolo que possibilita a identificação do corpo e permite a realização do rito de despedida com a segurança necessária para evitar o contágio. O serviço funciona com duas salas: uma refrigerada, para que os sepultamentos aconteçam durante o dia sempre que o óbito ocorre depois das 18h, e uma de identificação, onde os familiares, pela tela do computador, podem se despedir e fazer orações para o ente querido. A Prefeitura também disponibiliza todo o serviço do funeral, sem qualquer despesa para as famílias.
Fonte: Secom SJB
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