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domingo, 18 de dezembro de 2016

DAS 92 PREFEITURAS DO ESTADO DO RJ, 33 AINDA NÃO SABEM QUANDO PODERÃO PAGAR O 13º

No meio da crise, apenas 28 cidades (30,4%) já honraram seus compromissos
RIO — Pela primeira vez, a digitadora Eliane Pereira, de 47 anos, não terá ceia de Natal em casa. A reta final de 2016 tem gosto amargo, não há motivos — nem dinheiro — para festejar. Servidora concursada da prefeitura de Belford Roxo, ela passou o ano recebendo salários atrasados. A situação foi tão dramática, que Eliane precisou até mesmo de doações dos amigos e parentes para sobreviver. Na última sexta-feira, ela foi ao banco conferir se o salário do mês de setembro havia sido depositado. Saiu de lá desesperada mais uma vez.
— Eu já não sei mais o que fazer. Já cortei tudo que tinha que cortar, aguardando a regularização da situação para poder voltar a ter minha vida normalmente. Deixei de comprar até remédios para não sacrificar a escola da minha filha. Estou perdendo a esperança — afirma Eliane, que se mudou do apartamento próprio para morar com a família, pois não tinha recursos para pagar o condomínio.
O desânimo dela não é um caso isolado. Nos municípios fluminenses, a crise econômica que atinge o país e, principalmente, o Estado do Rio provocou um estrago nas contas de várias cidades, prejudicando o pagamento de seus servidores. São atrasos de um, dois e, em alguns lugares, de até quatro meses. Os municípios se defendem, argumentando que não receberam alguns repasses e, portanto, não podem garantir quando depositarão os vencimentos.
O GLOBO procurou prefeituras e sindicatos de trabalhadores de todos os 92 municípios do estado, para saber se os servidores vão receber o 13º em dia. Até a última quinta-feira, em pelo menos 33 cidades (35,8% do total) ainda não havia recursos para o pagamento até o dia 20 — data máxima permitida pela lei trabalhista. Já 23 municípios (25%) também não pagaram, mas garantiram que há verbas e prometeram fazer os depósitos até a próxima terça-feira. No meio da crise, apenas 28 cidades (30,4%) já honraram seus compromissos. Oito prefeituras foram procuradas, mas não se manifestaram sobre o assunto.
'VAQUINHA PARA COMPRAR CESTA BÁSICA'
Do Norte ao Sul Fluminense, há exemplos de caos nas administrações. Este ano, Barra Mansa, Itaguaí e Rio Bonito — onde os salários dos servidores estão atrasados — chegaram ao ponto de ter cortada a energia nos prédios das suas prefeituras, por falta de pagamento. Em Sapucaia, a sede do Executivo ficou três dias às escuras, e a qualquer momento pode sofrer novos cortes. Cabo Frio, outro município à beira do caos, não paga aos funcionários desde agosto, de acordo com o sindicato dos servidores municipais.
— Aqui, estamos fazendo vaquinha para comprar cesta básica e ajudar aqueles que estão sem comida — diz Denise Teixeira, professora da rede municipal de Cabo Frio. — A melhor coisa a se fazer é trocar de profissão. A cidade faliu.
Rio afora, a crise econômica que atinge o país é a justificativa de boa parte das cidades quando a pergunta é sobre atrasos nos salários. Em Petrópolis, por exemplo, a prefeitura diz que depende de repasses estaduais para efetuar o pagamento do 13º. Há uma ação no Tribunal de Justiça cobrando R$ 30 milhões que o estado deve ao município. Se a decisão do TJ não sair nos próximos dias, não serão feitos depósitos nas contas dos servidores.
O mesmo argumento é utilizado pela prefeita Soraia Graça (DEM), de Rio das Flores. A cidade se orgulha de ter passado o ano inteiro honrando os compromissos com funcionários e fornecedores. Neste fim de 2016, no entanto, com a queda na arrecadação, as contas do município de pouco mais de oito mil habitantes ainda não fecharam.
— Aqui, nós cortamos 70 cargos comissionados e reduzimos salários de prefeito e vice-prefeito. Mas em 2016 tivemos que cobrir os gastos que eram do estado para manter unidades de saúde que não podem fechar.
Até outubro deste ano, foram repassados, em transferências voluntárias do estado, R$ 100,2 milhões aos municípios. Dificilmente o governo alcançará os R$ 171,5 milhões gastos em 2015 — o valor, até agora, é só 58,8% do destinado ano passado. E, mesmo se conseguisse, o total está muito abaixo do registrado, por exemplo, em 2014, ano da reeleição do governador Luiz Fernando Pezão: R$ 724,8 milhões foram enviados aos cofres das 92 prefeituras.
No âmbito federal, o repasse de verbas às cidades também caiu. Em 2014, todos os municípios do Rio somaram R$ 16,5 bilhões em transferências obrigatórias. Em 2015, foram R$ 14,9 bilhões. Este ano, até este mês, esse montante é de apenas R$ 11 bilhões.
A crise atingiu até os maiores municípios, como os da Baixada Fluminense. Em São João de Meriti, com exceção dos servidores da educação, os funcionários da prefeitura estão sem receber desde junho. Por falta de pagamento, servidores estão faltando ao trabalho, o que já prejudica, por exemplo, o atendimento no Hospital Estadual da Mulher Heloneida Studart: a unidade fazia cerca de 500 partos por mês e agora não passa dos 300.
Já em Mesquita, os vencimentos estão atrasados há um mês, e não há data para receber o 13º. Na última quinta-feira, terceirizados de serviços de limpeza, que também estão sem receber, espalharam lixo pelas principais vias da cidade. Alguns médicos trabalham em escala reduzida. Para piorar, faltam medicamentos e insumos no Hospital Municipal Leonel Brizola.
— O prefeito (Gelsinho Guerreiro, do PRB) sumiu depois que perdeu a eleição. A cidade ficou sem comando, e os pagamentos foram congelados. Vamos entrar no próximo ano sem perspectiva de receber. Não conseguimos marcar reunião com ninguém para saber sobre a nossa situação — conta Larissa Mendes Gomes, arquiteta que trabalha na Secretaria municipal de Obras.
Procurado pelo GLOBO para comentar o assunto, o prefeito não foi localizado.
Na Região dos Lagos, além de Cabo Frio, os salários estão atrasados em Araruama. De acordo com a prefeitura, o 13º foi pago, mas o município ainda deve o mês de novembro.
HOSPITAL SEM INSUMOS E MÉDICOS
Em Angra dos Reis, na última terça-feira, foi depositado o salário referente a outubro, e não há data para novos pagamentos em 2016. No mês passado, o Hospital Municipal da Japuíba entrou em colapso: sem insumos básicos e médicos de plantão por falta de horas adicionais pagas, os funcionários vêm internando pacientes nos corredores. Angra, porém, conseguiu manter em funcionamento, mesmo com a greve de alguns servidores, a UPA da cidade, que é estadual, mas não tem recebido repasses do governo Pezão.
Com a queda generalizada de receitas, São Gonçalo nem consegue dar uma previsão para o pagamento do 13º. Na sexta-feira passada, a Justiça bloqueou as contas da prefeitura para garantir o pagamento dos funcionários, que estavam com salários atrasados desde novembro, mas só havia 20% do necessário para quitar a folha. A vizinha Itaboraí também enfrenta problemas. Os hospitais estão abertos, mas não funcionam totalmente: faltam médicos e remédios.
Segundo o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Rio (Aemerj), Anderson Zanon (PSD), prefeito de Sapucaia, os atuais gestores estão tendo de administrar as cidades escolhendo os serviços que deixarão de pagar.
— É um cobertor curto. Tem prefeito que opta por não pagar ao servidor, para honrar os compromissos com fornecedores e não parar determinada atividade. Outros pagam aos servidores, mas deixam uma série de dívidas pelo caminho — afirma Zanon, que não foi reeleito.
Para o economista Bruno Sobral, professor da Uerj, há um desarranjo geral da coordenação federativa, e os municípios pequenos do estado ficam à merce da crise, porque têm sua atividade econômica dependente de repasses:
— Nos pequenos municípios, é possível entender a crise, pois eles não têm arrecadação. Isso é histórico. A economia da maior parte dos municípios do Rio não é diversificada. Já nas grande cidades do estado, a crise pode ser um indicativo de que houve má gestão dos recursos, mas é preciso avaliar caso a caso.
RIO, NITERÓI, TRÊS RIOS E VARRE-SAI NO AZUL
Na contramão da crise, há cidades que conseguiram antecipar o pagamento e terminar o ano no azul. É o caso de Rio de Janeiro, Niterói e Três Rios, que anteciparam o depósito do 13º. O mesmo fez a pequena Varre-Sai, de dez mil habitantes, no Noroeste Fluminense. Por lá, o prefeito Everardo Ferreira afirma ter previsto a queda na arrecadação e cortado “na carne” de sua administração.
— Extingui mais de cem cargos comissionados e cortei três secretarias, porque sabia que o país ia enfrentar uma recessão. Meu município vive basicamente de repasses, e era preciso enxugar a máquina o quanto antes para economizar e poder pagar aos servidores. Entrego a administração ao próximo prefeito com os salários em dia. Em tempos de crise, são poucos os prefeitos que vão poder passar o bastão sem pendências.

O GLOBO

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